quinta-feira, janeiro 12

Lista de bens 2022

LIVROS
Epistolário Magno de Luís de Camões - Volume I
Celestina em Lisboa [Edição crítica, analítica e comentada] 
de Felipe de Saavedra
Canto Redondo, julho de 2022

Um poeta por via das suas cartas em esmerada edição. Esta obra em cinco volumes inicia-se com uma missiva de Celestina, a alcoviteira nascida da pena de Fernando de Rojas em 1499, que aqui revive na Madama del Puerto, a alcouceira que retorna a Lisboa após ter sido açoutada e banida da cidade.


Ensaios, Vol. I 
de Michel de Montaigne, 
André Gide (prefácio), Hugo Barros (tradutor),
E-Primatur, novembro de 2022

Até à data inédito na sua integralidade é um reconhecido importantes conjuntos de textos filosóficos . Reflexão profunda (e lúcida) daquilo que une os Homens de todos os tempos. Os que se lhe seguiram, muito lhe deve.

Pessoa. Uma Biografia
de Richard Zenith
Quetzal Editores, maio de 2022 

Nunca haverá um retrato de Pessoa completo, definitivo, pelo menos enquanto houver interpretação. Mais do que explicar o mistério de um homem de natureza reservada embora expansivo e alegre quando entre amigos, Zenith procurou os sinais da inscrição de Pessoa no tempo em que lhe coube viver.

Os Poemas
de Paul Celan
Assírio & Alvim, outubro de 2022

Pela primeira vez, todos os livros publicados em vida, poemas, dispersos e um ciclo fragmentário que o poeta não teve a oportunidade de terminar. Fruto de pesquisas e sucessivas traduções ao longo de 50 anos de Maria Teresa Dias Furtado, eis Paul Celan na íntegra.

Contos de Cantuária
de Geoffrey Chaucer
Tradução: Daniel Jonas
E-primatur, fevereiro de 2022 

Escritos entre 1386 e 1389, os 24 textos que compõem os Contos de Cantuária são grandes narrativas medievais e descrevem de forma mordaz a sociedade inglesa de então. A obra foi construída à semelhança do Decameron, de Boccaccio, que Chaucer terá lido aquando da sua missão diplomática em Itália, no ano de 1372. Um clássico da literatura universal, agora com a chancela de qualidade "Daniel Jonas traduções".

O Tamanho do Mundo
de António Lobo Antunes
Dom Quixote, outubro de 2022

Nesta desalinhada e sem hierarquia "lista de bens", nunca podia faltar. Para mim, é o equivalente do que significa Woody Allen no cinema: um hábito todos os anos. Uma linguagem poética com cortes e repetições aos 80 ainda surpreendente. Um homem de 77 anos às voltas com a memória do tempo, uma filha pequena na relação com um pai poderoso, uma relação com uma mulher humilde que nunca se quis assumir e um advogado amante da secretária e guardião da fortuna. O tempo corre e abre espaços aos 19 capítulos, cada um com uma voz narrativa que corresponde a uma das quatro personagens principais de que o romance se faz em fases diferentes das suas existências. 

C de C
de Cristina Fernandes
Flop, Abril 2022

Um conjunto de textos que partem de filmes para se abrirem a um mundo de reflexões. Já lhe chamaram um género novo, mas não é, e devia, ser "boa literatura com humor". Não resisto: “Os Choupos.
Em Maio os choupos lembram um filme de Tarkóvski. Pensando melhor, não é bem isso, os choupos lembram o próprio Tarkóvski e não os seus filmes.”

Canina
de Andreia C. Faria
Tinta da China, agosto de 2022 

Ninguém faz melhor. Ponto. E nem é por ser uma poesia avessa a tiques. É por ser uma poesia que tanto surpreende como ilude, que tanto dá como tira. Mas sem nunca se impor, fazendo sempre desaparecer aquela voz que escreve com aqueles grandes caninos, rigorosamente musicais e calibrados.

Walter Benjamin - A Sobrevida das Ideias
Ensaios e diário
de João Barrento
Edições do Saguão, setembro de 2022

Ensaios com ambição de projectar alguma luz refractada a partir dos textos de Benjamin, trazendo frequentemente o pensamento do autor até ao nosso tempo para descobrir um potencial de actualidade. Cruzam-se reflexões elaboradas de ensaios com as circunstanciais entradas de um Diário. A ideia é completarem-se e mutuamente iluminarem-se.

Obra Poética
de José Afonso
Relógio D'Água, novembro de 2022

Actualização e recontextualização de três edições anteriores, intituladas José Afonso, Textos e Canções, as duas primeiras da Assírio & Alvim (1983 e 1988) e a terceira já da Relógio D’Água (2000), a nova edição, a quarta, põe fim à separação entre “textos” e “canções”, misturando-os por ordem cronológica (a indicação de que são canções gravadas vem nas notas de rodapé). O livro, que reproduz as curtas notas da edição anterior com acertos pontuais, inclui quatro inéditos: Densa é a escuridão da noite (1956, na pág. 28), De que lado se faz noite? (1960, pág. 39), Jesus no Horto (1962, pág. 69) e Posso desviar a atenção da chuva (s/d, pág. 333). O legado de José Afonso colocado de modo a franquear novas leituras à linguagem preferencial dele, a poética.

Uma imagem com texto, pessoa

Descrição gerada automaticamente

CONTRA A INTERPRETAÇÃO E OUTROS ENSAIOS
de Susan Sontag
Quetzal, 2022

Uma vintena de textos vindos a lume em publicações combativas como a “Partisan Review” e a “New York Review of Books”, e com os quais a jovem crítica ascendeu ao invulgar estatuto de celebridade intelectual. Escrevia «com fervorosa parcialidade, acerca de problemas que suscitavam certas obras de arte, maioritariamente contemporâneas, de géneros diferentes: queria revelar e clarificar os pressupostos teóricos subjacentes a determinados juízos de valor e gostos». Entre eles, encontram-se «A morte da tragédia», «Notas sobre o camp», «Marat/Sade/Artaud» e «Sobre o estilo» (publicados na Partisan Review), para nomear apenas alguns. Agitou os anos 60 e continua vibrante e actual.

MÚSICA



De Brooklyn com movimentos graciosos através do jazz, R&B, soul e reggae para uma deslumbrante colisão de pensamentos, problemas e desejos de uma mulher negra. A própria descreve este trabalho como uma “tese”, uma forma de centrar a feminilidade negra quando em contacto com a misoginia. Para ela "as mulheres negras nunca viram um amor saudável ou foram amadas de maneira saudável e essa é uma ferida profunda para nós. Então comecei a pensar sobre as nossas respostas". As ideias manifestam em canções expressionistas, produzidas pela própria Bey, movendo-se através estilos com um cuidadoso senso de equilíbrio e traços ricos detalhados de autobiografia. Audição envolvente e transformadora de um trabalho de R&B que parte do neo-soul e do hip-hop para peças quase experimentais para deixar uma ideia fundamental: sigam sempre a vossa Estrela do Norte.



Também de Brooklyn, mas com toda a improvisação da "cena" de Chicago",  a (empolgante) trompetista Jaimie Branch e o baterista Jason Nazary juntaram-se ao produtor Jeff Parker para um espantoso EP de fusão de jazz electrónico onde as fronteiras entre rock, free jazz e música electrónica são porosas e as paredes ensolaradas de cores psicadélicas. (Sublinho, ali atrás, a palavra "empolgante").


 
Agora, paragem em Ohio. Brittney Parks é uma multi-instrumentista com confiança indomável. O mesmo acontece com a sua batida, do devaneio tenso para sincopação forte,  dos refrões as palmas insistentes. Quando ela canta: “I’m not average, I’m not average, I’m not average,””, não há escolha. Devemos acreditar nela.




No final dos anos 90 o som nascido no oeste de Londres conhecido como broken beat foi o resultado de uma fusão singular de jazz e dance music. O andamento da house music permaneceu, mas às batidas tornaram-se mais ágeis e sincopadas sob camadas de pianos elétricos sedosos, sintetizadores cósmicos e linhas de baixo furtivas. SAUL, a dupla londrina do tecladista Jack Stephenson-Oliver e do produtor Barney Whittaker (também conhecido como Footshooter) é uma das mais interessantes nesta fusão do  jazz moderno com as sensibilidades modernas da dance music. O EP Mutualism, é construído em torno do tipo de progressões de acordes de sintetizador suave e agridoce e amostras vocais que os pioneiros do drum & bass ambiente  estavam empregando em meados dos anos 90 (“Pause” é uma trilha sonora perfeita para uma sala de relaxamento no pós-milenar ). O EP Air explora a espiritualidade da música coral e clássica contemporânea. O Broken beat com vislumbre de futuro. E como se não bastasse o seu contributo ainda lançaram, em 2022, um álbum muito recomendável, AIR. Porém, uma mudança drástica de sua produção. Aqui, deixam de lado quase todas as suas marcas identificáveis. Acabaram-se os ritmos funky e as batidas de disco e os cantos emocionantes. Por isso a abertura “Reality” começa com um crescendo de cordas, trompas e um... coro clássico. Sonoramente, há pouca ancoragem de AIR à produção anterior do grupo, mas os seus temas concentram um elemento crítico da experiência negra: a celebração. Neste exuberante clássico contemporâneo, a banda aproveita a oportunidade para mostrar que mesmo um estilo de música visto como tradicionalmente europeu há profundas experiências negras. O delicado trabalho de cordas de “Heart” evoca o espectro de uma jornada espiritual de Alice Coltrane, enquanto a suíte sinfônica de quase 13 minutos “Solar” chama de volta a exuberância da obra-prima cinética Femenine de Julius Eastman com a percussão aguda e cintilante. Quase sem palavras, AIR inclina-se para o efeito espiritual que o som tem na mente e no corpo.  “A vida sempre trará suas pressões”, canta o coral em estilo gospel. “Use-o com sabedoria e guarde esses tesouros.” 



Quente e mortalmente dançavel este trio de jazz. O groove é disciplinado, sincroniza com solidez com a bateria  e com o extraordinário baixo, fervendo sempre para uma disputa com a guitarra e voz. Para mergulhar profundamente.


Se traçarmos paralelismos com o quarteto clássico de John Coltrane, o quinteto de Dave Holland em Prime Directive e Charles Mingus em “Nostalgia In Times Square”, não estamos longe da verdade. Dezron Douglas é um nome que nos círculos do jazz moderno vem com elogios iniciais e expectativas. 
Atalaya é surpreendentemente pesado de baixo, dominado pelas cordas graves e por pedaços de tudo entre o bop e o free jazz. Linhas cativantes de baixo e saxofone para elevar o jazz contemporâneo. Um álbum forte e envolvente.


Projeto a solo de estreia de Marek 'Latarnik' Pedziwiatr, músico, compositor, pianista e sintetizador, mais conhecido pela sua banda, EABS. Confessadamente influenciado pelo som das gravações solo de Thelonious Monk, Ahmad Jamal, McCoy Tyner e Emahoy Tsegué-Maryam Guèbrou, Latarnik abriu mão da electrónica para gravar um disco intimista, homenageando sua bisavó ao utilizar um Steinway centenário piano de cauda e Sons em fita analógica. Um piano solo profundamente emocional a iluminar a cena contemporânea do jazz polaco.

 
Jazz híbrido, habilmente orquestrado e ritmicamente complexo na fértil interzona entre o hip-hop e o jazz. Música imponente, que requer o seu momento e uma escuta repetida para revelar os seus prazeres. Os melhores momentos de In These Times acontecem quando explosões de espontaneidade individual são permitida  - confirmar o solo de sax de Ward na faixa-título e, muito em particular, o espanto solo de guitarra em “The Knew Untitled”.


   E lá voltamos a Brooklin. Teclas suaves encontram sintetizadores, sax e ambiente melancólico dançável em álbum de estreia. 

     Charles Stepney (1931-1976), o lendário produtor de R&B que ajudou a definir o soul de Chicago ganhou uma antologia de gravações caseiras descobertas pelas filhas. É natural que o nome seja já pouco conhecido, ele foi o supervisor musical da Chess Records, um daqueles trabalhadores incansáveis e invisíveis cujo único objectivo de trabalho é fazer com que outras pessoas tenham sucesso, não ele, mas foi um segredo muito sussurrado entre os iniciados que buscavam argumentos sampláveis nas rodelas de vinil dos Rotary Connection, Minnie Ripperton, Earth Wind & Fire, Ramsey Lewis. E serviu gente tão diferente quanto A Tribe Called Quest, Jay-Z, Common, Gang Starr ou Kanye West. Este lançamento vem ajudar a reveladoras o seu lado mais intimista, mas tem mais atrativos. Por exemplo, “Black Gold” é um esboço de piano para o encontro de renascimento do psych-soul do Rotary Connection “I Am the Black Gold of the Sun”,."That's the Way of the World" uma variação imaginada sobre o hit dos Earth, Wind & Fire, de 1975, enquanto "Imagination" destila o o soul gospel em falsete atrevido de Spirit, o álbum de 1976 que o grupo esta criando com Stepney quando ele faleceu. 23 faixas, ora canções totalmente desenvolvidas, ora fragmentos, capturam o rico sentido de melodia de  Stepney e o seu talento para embelezar músicas. Importante lançamento para uma reavaliação de uma alma cósmica e inspiradora a quem tanto se deve.

O rock morreu e ninguém avisou estas três jovens de Chicago, Gigi Reece, Nora Cheng e Penelope Lowenstein, os duas primeiras caloiras. Finalmente, alguém se preocupa em fazer o bom e "velho" indie rock - e logo em álbum de estreia! As Horsegirl são membros emergentes de uma cena indie de Chicago, curiosamente, em grande parte adolescente, e sua estreia vem enfeitada com anciões de respeito - John Agnello (Dinosaur Jr., Sonic Youth) no "board", Steve Shelley e Lee Ranaldo a tocar em “Billy” e "Beautiful Song". Lowenstein e Cheng trocam funções vocais ao lado de guitarras e baixo elétrico de seis cordas, enquanto Reece bate vigorosamente nos pratos. Boas alunas, a letra é fragmentária e aberta. As três atingem o equilíbrio certo, sem explosões ou artifícios forçados, apenas uma agitação constante e nervosa, sempre esticada à boa maneira indie, sempre interrompendo a superfície plácida da música. Como boas alunas, em “Anti-glory” começam alucionadas epara chegarem ao refrão: “Dance!”. Alguém quer salvar o rock.
       Em julho de 1973, a Blue Note Records foi para Montreux, na Suíça, para apresentar várias das estrelas da gravadora no Festival de Jazz de Montreux. Produzido pelo presidente da Blue Note, George Butler, todos os álbuns ao vivo intitulados Live: Cookin' with Blue Note at Montreux foram seguidos pelo vibrafonista Bobby Hutcherson , o organista Ronnie Foster , a flautista Bobbi Humphrey e a vocalista Marlena Shaw , mas uma das apresentações do trompetista Donald Byrd permaneceu inédita nos cofres da Blue Note, até agora. Tendo saído da sombra de Miles Davis, na altura era acusado de vender seu legado bop para o sucesso nas tabelas. Byrd incorporou o ritmo e o groove da Motown com os nascentes sons cósmicos de sintetizadores e pianos elétricos. No Festival de Jazz de Montreux, a 5 de julho, de 1973, brilhou na glória do início da fusão. O lançamento em vinil é totalmente analógico cortado diretamente das fitas master analógicas originais. 


 NACIONAL


  O álbum de estreia do projeto Storm Factory, a ser editado na quinta-feira, junta os mundos ‘sonoros’ do músico e produtor português Rui Maia e da pianista italiana Giulia Gallina, a eletrónica das máquinas ao lado calmo do piano. Uma das primeiras coisas que Rui Maia e Giulia Gallina decidiram foi gravar som ambiente, com os registos feitos em Lisboa e Aveiro que incluíram nos temas. O álbum tem um lado da Natureza, ora aquático, ora'industrial. O resultado final justifica o título que decidiram dar ao projeto: Storm Factory (Fábrica de Tempestade, numa tradução livre).

  Percorrem-se universos como o jazz, hip hop, funk, electrónica e até bossa, mas o ingrediente que une tudo isto é o soul e tudo é soulful. Até o hip hop. Finalmente tem português num disco Dachick – ‘Imaginação’, ‘Amor ao Mar’ e ‘Get Down’. Um disco onde a voz jovial se evidencia por entre impulsos hip-hop, fraseados funk, numa multiplicidade de estímulos bem organizada. Rui Maia e Rö (nome artístico de Maria do Rosário), influênciados pelo funk misturam-lhe uma electrónica bem vincada. Com o gosto pela investigação sonora em sintetizadores, memórias do disco-sound são cruzadas com e para a modernidade para a pista de dança.

  Num ano nacional bastante fraco, 2 de Abril é das coisas mais conseguidas e inteiras. Uma voz expressiva, um manejo das palavras como é raro ouvir-se, e uma música que faz circular inúmeros impulsos (folk, música portuguesa, brasileira, angolana, fraseados de hip-hop, motivos electrónicos). Tudo disposto cde maneira consistente e promissora.

  Convocando os amplos universos sonoros em que Stereossauro e Cabrita têm trabalhado, este é um álbum que percorre distintas linguagens musicais, do funk ao jazz, do trip hop à eletrónica, nunca deixando de revelar a identidade estética e singular dos seus autores. Por vezes em registo mais acelerado, noutros momentos em tons mais melancólicos, Cachorro Sem Dono vai percorrendo diferentes perspetivas, registos e ambientes, à medida que vai desvendando as façanhas destes dois detetives de coração mole.num estilo que não é habitual na musica portugal: o conceptual para um filme que (ainda) não existe.         

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