quinta-feira, janeiro 12

A chatice de já não termos Roger Scruton (1944—2020)


"A tradição da esquerda é julgar o sucesso humano pelo fracasso de alguns. Isso sempre lhe oferece uma vítima a ser resgatada. No século XIX eram os proletários. Nos anos 60, a juventude. Depois as mulheres e os animais. Agora o planeta!"

Foi um dos maiores, mais lúcidos e distintos cavalheiros. Em tempos ainda se encontra no you tuba um video de um debate, de 2012, com o teórico e crítico literário marxista. Terry Eagleton, acerca do papel da Cultura, das Artes e da Universidade onde, entre muitas coisas, soube explicar o que a Arte Moderna teima em não desejar: que a Beleza importa. Mas sobra este, alertando-nos longe dos chavões habituais, sobre o problema, as causas, os efeitos e consequências do desenfreado consumismo dos dias de hoje.


Com clareza e objetividade também avisou que vivemos um fim tanto mais acelerado consoante os teóricos eleitos de punho em riste imprimam maior ou menor velocidade à decomposição da sociedade ocidental.


Scruton deixou-nos dezenas de livros, mas poucos estão traduzidos em Portugal. Nas livrarias portuguesas só podemos encontrar facilmente duas das suas obras mais conhecidas, Tolos, Impostores e Incendiários, um conjunto de retratos críticos de intelectuais e filósofos radicais, e Como Ser Um Conservador, uma síntese das suas ideias. Outros livros interessantes serão Notes from Underground (um romance passado na Checoslováquia comunista), Music as an ArtOn Human Nature (uma crítica de alguns visões modernas da ciência e da psicologia), Green Philosophy (uma visão ecológica conservadora e pioneira), I Drink Therefore I am e Gentle Regrets (um livro de memórias).

*

Ecos na imprensa no ano do seu desaparecimento

Na imprensa portuguesa o desaparecimento de Roger Scruton foi assinalado por dois textos que merecem referência especial: Roger Scruton R.I.P., onde MEC sublinha que “Scruton não era um radical ou um reacionário. Era um reformador e um racionalista. Só passava por radical porque o common sense dele tornou-se cada vez mais raro.”. No Observador foi Carlos Maria Bonone que lhe dedicou um obituário mais extenso, Roger Scruton: um conservador para dois mundos, um texto onde aborda diversos aspetos da sua obra:
“Scruton não foi apenas um cético. Lutou pelos valores ocidentais e pela integração de imigrantes nas escolas contra a tribalização e a tolerância permissiva, de certa forma definiu o cânone novecentista dos inimigos dos valores ocidentais, contestou a historiografia marxista, fez todos os esforços para desacreditar a ideia da economia capitalista como um jogo de soma nula, em que toda a riqueza só existe enquanto explora a pobreza de alguém, mostrou o resultado opressor do relativismo moral e lógico. No entanto, toda a sua combatividade tem interesse apenas pelo que, num plano mais profundo, o alimenta. (...)
O que Scruton defende é a civilização, entendendo como civilização o esforço comum para que cada indivíduo consiga sair de si e ultrapasse aquilo que já tinha quando nasceu. Belo é aquilo que comunica e que, de certa forma, traduz um esforço do Homem para se elevar.
Poucos autores, como Scruton, casam tão bem a tradição europeia e britânica do conservadorismo.”
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, assinalou a sua morte com um tweet incisivo: 
“We have lost the greatest modern conservative thinker - who not only had the guts to say what he thought but said it beautifully.” 
O Telegraph recordou em conservative philosopher of wide accomplishments, “As one of the most contentious figures in British public life, Scruton operated as an academic, journalist and prolific writer, and a lightning rod for abuse and criticism from the political Left. He was regularly shouted down in universities and prevented from speaking, yet he enjoyed a reputation as a first-class professional philosopher among academics of all political persuasions.”

De Timothy Garton Ash, citado no obituário publicado no New York Times, Conservative Philosopher Roger Scruton Dies at 75: “Historian Timothy Garton Ash said Scruton was "a man of extraordinary intellect, learning and humor, a great supporter of central European dissidents, and the kind of provocative — sometimes outrageous — conservative thinker that a truly liberal society should be glad to have challenging it".”

De Paul Krause, no The Imaginative Conservative, em In Memoriam: “Contrary to the leftwing media’s portrait of him, the Roger Scruton that we all came to know was a gentle and humorous man, a man who wouldn’t harm a fly and who was open to all people. Like moths attracted to the flame, students from all continents came together to discuss everything from music and aesthetics to politics and metaphysics with Sir Roger, who seemed to be the incarnate flame of wisdom. His encyclopedic knowledge allowed him to help all in our respective pilgrimages.”

De Emma Webb, no The Post, em Roger Scruton’s quiet heroism: “It was striking that the greatest philosopher of our era passed away on the birthday of his 18th century equivalent — Edmund Burke. Such men rarely come about.”

Um último destaque para o texto do seu amigo, Douglas Murray, da Spectator: 
"A man who seemed bigger than the age. Eis algumas linhas dessa crónica: “Doubtless there will be some talk in the coming days of ‘controversy’. Some score settling may even go on. So it is worth stressing that on the big questions of his time Roger Scruton was right. During the Cold War he faced an academic and cultural establishment that was either neutral or actively anti-Western on the big question of the day. Roger not only thought right, but acted right. Not many philosophers become men of action. But with the ‘underground university’ that he and others set up, he did just that. During the ‘70s and ‘80s at considerable risk to himself he would go behind the Iron Curtain and teach philosophy to groups of knowledge-starved students. If Roger and his colleagues had been largely leftist thinkers infiltrating far-right regimes to teach Plato and Aristotle there have been multiple Hollywood movies about them by now. But none of that mattered. Public notice didn’t matter. All that mattered was to do the right thing and to keep the flame of philosophical truth burning in societies where officialdom was busily trying to snuff it out.”

Na Spectator é necessário também regressar ao que deverá ter sido um dos últimos textos escritos pelo filósofo, Roger Scruton: My 2019, uma espécie de diário onde considera que “Despite everything, I have so much to be grateful for”. Termina tudo de forma belíssima: 
“During this year much was taken from me — my reputation, my standing as a public intellectual, my position in the Conservative movement, my peace of mind, my health. But much more was given back: by Douglas Murray’s generous defence, by the friends who rallied behind him, by the rheumatologist who saved my life and by the doctor to whose care I am now entrusted. Falling to the bottom in my own country, I have been raised to the top elsewhere, and looking back over the sequence of events I can only be glad that I have lived long enough to see this happen. Coming close to death you begin to know what life means, and what it means is gratitude.”

1 comentário:

  1. «No século XIX eram os proletários. Nos anos 60, a juventude.»

    Comparar os proletários no século XIX em Inglaterra ou em França com os jovens dos anos 60 só mesmo por piada. A sociedade industrial foi então construída literalmente à custa da mais profunda miséria e dos cadáveres de crianças.

    ResponderEliminar