sexta-feira, outubro 14

“Pensar no que estamos a fazer”



Criada em Königsberg e nascida em Hannover, em 1906, numa família judia, laica e de raízes russas, Hannah Arendt (14 de Outubro de 1906 – 4 de Dezembro de 1975) foi a filha única de uma esquerdista culta e de um engenheiro que morreu tinha ela sete anos. Consciente de que “pensar é em si mesmo perigoso”, ela propôs algo que qualificou de muito simples: “pensar no que estamos a fazer.” O pensamento não está desligado da experiência e uma pessoa não pode ser simplesmente espectadora. Porque fazia o que proclamava, nunca se definiu como feminista, embora defendesse a equidade entre homens e mulheres e se criticava os académicos que cegaram perante o advento do nacional-socialismo, como judia, nunca quis mudar-se para a Palestina: o nacionalismo não a seduzia, nem a fundação de um Estado-nação judaico. Na sua biografia é preciso dar dá amplo espaço à relação amorosa que desenvolveu com Heidegger. Ele casado e 19 anos mais velho do que ela, temos as últimas cartas trocadas com filósofo alemã, em 1932/33, onde se subentende que ela já estaria a par da posição dele face aos nazis. Eleito reitor em Freiburg, Heidegger assinaria a destituição dos docentes que não fossem de ‘ascendência ariana’, além de discursar a favor de Hitler. E se em 1934 acabou por se demitir do cargo, Arendt não lhe falou durante 17 anos. Foi levada para o campo de concentração de Gurs, do qual fugiu graças à habilidade de outra das detidas para forjar documentos e, rapidamente, os Estados Unidos tornaram-se a sua pátria. Pensou o "Antissemitismo", o "Imperialismo", o "Nazismo" e de regresso à Europa pós-guerra conheceu as táticas do estalinismo. Pensou no que estava a fazer, como exigia aos outros, e percebeu a diferença dos conceitos de “Totalitarismo” e “Autoritarismo”. Escreveu: “O súbdito ideal do regime totalitário não é o nazi convicto nem o comunista convicto, mas sim aquele para quem a distinção entre factos e ficção e entre o verdadeiro e o falso já não existem”. Tendo conhecimento da captura de Adolf Eichmann pela Mossad na Argentina, propôs à “New Yorker” a cobertura do julgamento em Israel. Publicou cinco artigos e uma versão em livro — “Eichmann em Jerusalém: Uma Reportagem sobre a Banalidade do Mal” —, que desencadeou uma acesa discussão, sobretudo por abordar o papel dos Conselhos Judaicos no processo de seleção prévio às deportações. Explicou assim o conceito de “banalidade do mal”: “Penso que o mal, em todas as ocorrências, é apenas extremo, não radical; não tem profundidade, portanto não tem em si nada de demoníaco.” O que Arendt viu no julgamento de Eichmann, chocou muito gente, mas foi apenas isto: aquele nazi não era o monstro que todos suponha, incluindo ela, mas um funcionário banal, alguém que cumprira as ordens que recebera sem pensar nas consequências, movido pelo desejo de ser promovido e não por uma ideologia. Para Arendt, a pergunta era: qual a diferença entre os que participaram e os que decidiram desistir? A resposta é: pensar. No documentário acima, feito por Inês Fonseca Santos, em 2006, para o programa Câmara Clara, da RTP2, os juristas e investigadores ajudam a precisar conceitos e em sublinhar o aspecto talvez mais importante das lições da filósofa: em resultado da massificação da sociedade, criou-se uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais, razão porque aceitam e cumprem ordens sem questionar. “Pensar no que estamos a fazer.”

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