quinta-feira, junho 27

Entrevista rara em dia de aniversário



Entrevista rara do aniversariante do dia, João Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967), com Walter Höllerer para um canal de televisão independente em Berlim, onde foi embaixador, em 1962. São as únicas imagens em movimento do escritor, retiradas do documentário Outro Sertão (2013), que eu saiba ainda impossível de encontrar no mercado português. Guimarães Rosa apresenta o livro Grande Sertão: Veredas e também o de contos, Primeiras Estórias

Refira-se que a obra-prima de 1956, Grande Sertão: Veredas, tem agora uma primeira edição portuguesa (Companhia das Letras, 2019). Para alguns, o vocabulário funcionará como uma barreira,  “urco” (corpulento), “sonoite” (lusco-fusco), “reconditório” (esconderijo), “nanzuque” (tecido fino de algodão), “alpondras” (pedras dispostas de forma a atravessar correntes de água a pé enxuto), “cuquiada” (vozes de alarme), “cacundeiro” (moço de fretes), “zureta” (amalucado), “espingolado” (alto e magro), “jegues” (burros, jumentos), “bruega” (chuvisco). Não se trata de virtuosismo gratuito, mas encontrar as palavras justas no continente linguístico luso-brasileiro. Ou perceber melhor João Guimarães Rosa quando dizia que não era um “revolucionário da língua” mas um “reaccionário da língua”. Se a linguagem é a primeira fronteira deste romance, a paisagem é a segunda. Vasto espaço selvagem, o termo “sertão” designa um sítio concreto, com bichos e vegetação, deslumbres e perigos,: “Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera”, diz o narrador, Riobaldo, que também avisa que “o sertão está em toda a parte”, que o sertão é “dentro da gente”. A terceira fronteira do romance é a fronteira entre amor e amizade, masculino e feminino, e “amor mesmo amor, mal encoberto em amizade”. Riobaldo tem um amigo, Reinaldo, que trata por Diadorim. E gosta dele, um gostar “aumentado”: “Tudo estava perfeito tranquilo. Diadorim — com chapéu xíspeto, alteado. Nele o nenhum negar: no firme do nuto, nas curvas da boca, em o rir dos olhos, na fina cintura; e em peito a torta-cruz das cartucheiras”. Inquieto, Riobaldo pergunta: “Mas, dois guerreiros, como é, como iam poder se gostar, mesmo em singela conversação —por detrás de tantos brios e armas?” Enfim, as fronteiras, as fronteiras de tudo e de todos são ténues, movediças. 

“A vida da gente vai em êrros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria”. 

Sem comentários:

Enviar um comentário