terça-feira, junho 25

Nas caves mais profundas do nossos sucessivos Ministérios da Cultura ainda se discute como falar dele

Exemplar de uma 1º edição de Os Maias, propriedade da Livraria Lello

Há 133 anos, a Livraria Chardron publicava a primeira edição do livro Os Maias de Eça de Queirós. De então para cá, nas caves mais profundas do nossos sucessivos Ministérios da Cultura discute-se como falar dele nas aulas de Português. Ocorreu-lhes, muito recentemente, até não falar dele. O país emocionou-se e disse não, mas era a melhor opção. Como é que se pode ler Os Maias por leituras de excertos e perceber, desde logo, o título? Será uma referência ao apelido da família cuja história vamos acompanhar ou uma alegoria à civilização Maia que, tal como a nossa, a portuguesa, teve o seu apogeu e desapareceu? Podemos ler algumas páginas deste livro com um português exigente e com uma estratégia contínua de analepse e prolepse e perceber que aquela família é Portugal, que Afonso da Maia é o Portugal de 1820, Pedro, o Portugal de 1850 e Carlos, o Portugal de 1870? Podemos, pela a leitura de excertos, perceber que o tema é o incesto e não o adultério? Temos professores e escolas para dar a perceber ao aluno que o Eça fez uma extraordinária alegoria sobre os portugueses e não sobre uma família e uma análise profunda às causas da decadência do nosso país segundo o meio, raça e o momento? Não, claro que não. Então, desistamos!

Entretanto, e enquanto não concordamos, caro Leitor (com maiúscula), meditemos neste final aberto que muito me intriga. É uma graça sem sentido, uma esperança ou a conclusão do Eça que o português das tragédias familiares, nacionais e outros problemas tudo reduz a cinzas?

"Espera! - exclamou Ega - Lá vem um «americano», ainda o apanhamos.
— Ainda o apanhamos! Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
— Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
— Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
— Ainda o apanhamos!
— Ainda o apanhamos!"


Eça de Queirós, Os Maias, edição: Círculo dos Leitores, agosto de 1981, p. 675

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