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Exemplar de uma 1º edição de Os Maias, propriedade da Livraria Lello
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Há 133 anos, a Livraria Chardron publicava a primeira edição do livro
Os Maias de Eça de Queirós. De então para cá, nas caves mais profundas do nossos sucessivos Ministérios da Cultura discute-se como falar dele nas aulas de Português. Ocorreu-lhes, muito recentemente, até não falar dele. O país emocionou-se e disse não, mas era a melhor opção. Como é que se pode ler
Os Maias por leituras de excertos e perceber, desde logo, o título? Será uma referência ao apelido da família cuja história vamos acompanhar ou uma alegoria à civilização Maia que, tal como a nossa, a portuguesa, teve o seu apogeu e desapareceu? Podemos ler algumas páginas deste livro com um português exigente e com uma estratégia contínua de analepse e prolepse e perceber que aquela família é Portugal, que Afonso da Maia é o Portugal de 1820, Pedro, o Portugal de 1850 e Carlos, o Portugal de 1870? Podemos, pela a leitura de excertos, perceber que o tema é o incesto e não o adultério? Temos professores e escolas para dar a perceber ao aluno que o Eça fez uma extraordinária alegoria sobre os portugueses e não sobre uma família e uma análise profunda às causas da decadência do nosso país segundo o meio, raça e o momento? Não, claro que não. Então, desistamos!
Entretanto, e enquanto não concordamos, caro Leitor (com maiúscula), meditemos neste final aberto que muito me intriga. É uma graça sem sentido, uma esperança ou a conclusão do Eça que o português das tragédias familiares, nacionais e outros problemas tudo reduz a cinzas?
"Espera! - exclamou Ega - Lá vem um «americano», ainda o apanhamos.
— Ainda o apanhamos! Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
— Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
— Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
— Ainda o apanhamos!
— Ainda o apanhamos!"
Eça de Queirós, Os Maias, edição: Círculo dos Leitores, agosto de 1981, p. 675
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