sábado, abril 29

Filigrana Kaváfis

A cada um a sua Ítaca! 
Konstantínos Kaváfis nasceu e morreu no mesmo dia (Alexandria, 29.4.1863 — 29.4.1933) ignorado e sem publicar um livro, apesar da relação obsessiva com a poesia. Preferiu folhas e amigos. A sua poesia parece prosaica, sem floreados nem metáforas, mas exibe discursos e protagonistas que o desmentem. Foge ao banal. E na tradução quase se oferece como se não fosse melhor na língua de origem (vale a pena comparar as de Jorge de Sena, que partiram de traduções já que o poeta não conhecia o grego, com as de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis e com estas, de Manuel Resende, directamente do grego). Os poemas de amor não estão proibidos se houver uma lógica espartana de os escrever em belo. 

A sua origem
(1921)


O ilícito prazer foi consumado.
Do colchão se levantaram
e à pressa se vestiram sem palavras.
Separados furtivos, saem de casa
pisam a calçada inquietos, parece
que suspeitam que algo neles atrai
como era o leito em que se deitaram.

Mas a vida do artista, o que se enriqueceu!
Amanhã, depois, passados anos, hão descrever-se
os vigorosos versos que aqui tiveram origem.


Konstantinos Kaváfis, 145 Poemas, trad: Manuel Resende, edição: Flop, outubro de 2017, p. 81


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