quinta-feira, abril 27

6 anos de saudade

 

Poeta, tradutor, romancista, ensaísta, dramaturgo, cronista, antologiador, historiador honoris causa, advogado, político, gestor cultural, quer dizer, pelo menos isto foi Graça Moura (Porto, Foz do Douro, 3 de Janeiro de 1942 — Lisboa, 27 de Abril 2014), um improvável espírito renascentista na segunda metade do século passado

A qualidade e intensidade do seu trabalho criativo e intelectual estão nos quase 30 livros de poemas, de Modo Mudando (1963) a O Caderno da Casa das Nuvens (2010), mas também na sua tradução (quase épica) da Divina Comédia e Vita Nuova de Dante, das Rimas e Triunfos de Petrarca, dos Sonetos de Shakespeare, das obras de Pierre Ronsard, Rainer Maria Rilke, Gottfried Benn, Walter Benjamin, Federico García Lorca, Jaime Sabines, H. M. Enzensberger Seamus Heaney e dos três grandes dramaturgos franceses do século XVII, Corneille, Molière e Racine. Mas também na ficção e no ensaísmo onde se mostrou bastante competente. Títulos como Luís de Camões, Alguns Desafios (1980), Camões e a Divina Proporção (1985) ou Os Penhascos e a Serpente (1987) dão-lhe um lugar de indiscutível relevo entre os camonistas contemporâneos. Também tem obra sobre a pintura portuguesa da Renascença, a construção da identidade cultural europeia, o fado, o Acordo Ortográfico. E como ficcionista, área onde se estreou relativamente tarde, em 1987, com Quatro Últimas Canções, ocupa um lugar fundamental, ainda que tenham conseguido a maior das injustiças: ser menos reconhecido do que nas restante outras áreas. 

Do dramaturgo ocasional de A Ronda dos Meninos Expostos (1987) à sátira Auto de Mofino Mendes (1994), as narrativas de VGM tem o ponto alto no extraordinário Por Detrás da Magnólia (2008), um fresco histórico, de influência camiliana, em que a história da Casa dos Lemos - com os seus segredos, os seus amores proibidos, e os seus dramas - conta a história do nosso país e das mentalidades. 

Em suma: uma missão empenhada em enriquecer o património literário disponível em língua portuguesa, que, como responsável da Imprensa Nacional/Casa da Moeda (INCM), instituição que dirigiu ao longo de toda a década de 1980, bem o provou. 

Foi Prémio Pessoa, em 1995, incluido na criteriosa Coroa de Ouro do Festival de Struga, na Macedónia que recebeu em 2004 – entre os vencedores das três edições anteriores contam-se dois prémios Nobel: Tomas Tranströmer e Seamus Heaney – e Prémio Nacional de Tradução atribuído em 2007 pelo Ministério da Cultura italiano. Seis anos de saudade do nosso - vou dizer muito devagarinho - do maior intelectual da segunda metade do século XX.

soneto do amor e da morte

quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer fica junto de mim, não queiras ver as aves pardas do anoitecer a revoar na minha solidão. quando eu morrer segura a minha mão, põe os olhos nos meus se puder ser, se inda neles a luz esmorecer, e diz do nosso amor como se não tivesse de acabar, sempre a doer, sempre a doer de tanta perfeição que ao deixar de bater-me o coração fique por nós o teu inda a bater, quando eu morrer segura a minha mão.


Vasco Graça Moura, "Antologia dos Sessenta Anos"

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