
Numa época marcada pelo absolutismo, um pregador jesuíta denunciou injustiças e nem mesmo o Santo Ofício escapou às suas críticas. Modelado pela formação na Companhia de Jesus e pela estética barroca, nos muitos papéis que desempenhou no “teatro do mundo”, o Padre António Vieira (Lisboa 6 de fevereiro de 1608 - Salvador, 18 de julho de 1697) mostrou-se um homem desassombrado com o humanista cristão e atravessou praticamente todo o século XVII atento aos problemas políticos, económicos, sociais e religiosos, com propostas reformistas avançadas para a mentalidade da época. José Pedro Paiva, professor do Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, aqui, fala-nos de Vieira (1608-1697) como um pensador que viveu num século dominado pela estética barroca ,que desafiava o artista a expressar-se livremente, sem regras, o único modelo que convinha a este homem universal.Mas recentemente percebeu-se que há muita gente que não está interessada em compreender, apenas em condenar, apedrejar e derrubar. Sejamos claros: Padre António Vieira, que viveu no século XVII, aceitava a escravidão, o que não quer dizer que a aplaudisse ou promovesse. Se recuarmos a Aristóteles, a escravidão teria uma base natural e racional, que muito simplesmente residia na inferioridade do escravo. Os próprios estóicos vendo a escravidão como algo contrário à natureza, não a contestavam, porque para eles a verdadeira liberdade consistia na capacidade da pessoa se elevar acima das suas limitações. Vieira tinha a convicção de que essa situação de escravo obedecia a um propósito divino oculto. Acreditava na dualidade corpo/alma e achava, à maneira dos estóicos, mais importante a libertação e a salvação das almas do que a dos corpos. Vieira não tinha a nossa noção moderna de escravatura. Mas aceitar ou tolerar, podem ser, aqui, sinónimos de defender ou promover? Separamo-nos tanto da História quando? A História é feita para julgar? Se for, então, atente-se nisto: em 1 de outubro de 1665, o Padre António Vieira foi encarcerado pela Inquisição e stas são algumas das informações que constam do seu processo:
Idade: 55 anos
Crime/Acusação: proposições heréticas, temerárias, mal soantes e escandalosas
Cargos, funções, actividades: religioso professo da Companhia de Jesus
Naturalidade: Rua dos Cónegos, freguesia da Sé, Lisboa
Morada: Coimbra
Pai: Cristóvão Vieira Ravasco, fidalgo da Casa Real
Mãe: D. Maria de Azevedo
Estado civil: solteiro
Data da apresentação: 21/07/1663
Data da prisão: 01/10/1665 (cárcere da custódia)
Sentença: auto-da-fé privado de 23/12/1667. Privado para sempre de voz activa e passiva e do poder de pregar, recluso no Colégio ou Casa de sua religião, de onde não sairia sem termo assinado pelo Santo Ofício, assinar um termo onde se obrigava a não tratar mais das proposições de que foi arguido, nem por palavra nem por escrito, pagamento das custas
Por súplica do provincial da Companhia de Jesus, dirigida ao Santo Ofício, foi solicitada a anulação e perdão das penas que lhe foram impostas. Este pedido foi aceite por despacho do Conselho Geral do Santo Ofício, de 12/06/1668. A 30/06/1668, o réu foi chamado à Casa do Despacho da Inquisição de Lisboa, onde lhe foi comunicado o respectivo perdão e assinou o seu termo. Em Agosto de 1669, o padre António Vieira partiria para Roma com licença do Rei. Na actual saga persecutória da extrema-esquerda, explicar isto tudo, as origens do Padre Vieira, quem tentou sempre ajudar, a sua alcunha e sussurrar ao ouvido o Sermão da Primeira Dominga de Quaresma, de 1653, parece, contudo, inútil.
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