100 de Sena (4)
"Lembrando, num ensaio de 1976, que “um ‘realista’ é um ser humano que usa a sua imaginação para usar a realidade” e que “a ‘anti-realidade’, muitas vezes, longe de ser um deliberado escapismo, pode ser, pelo contrário, uma ferocíssima crítica da realidade social” (“Algumas palavras sobre o realismo, em especial o português e o brasileiro”, Colóquio/Letras), o autor defende um realismo integrativo (absoluto, chamar-lhe-á no prefácio a Os Grão-Capitães), que admita tanto a deriva onírica e a liberdade imaginativa, como a figuração dos inomináveis horrores da História ou da mais repulsiva monstruosidade do homem, até porque “nenhum realismo o será, se recuar aflito, mas porque, aflito, não recua” (“Prefácio”, Os Grão-Capitães). É a este realismo que não recua, irrestrito e sem concessões, que Sena se esforçará por dar substância ficcional, em narrativas que, com notável desenvoltura, percorrem uma ampla escala de representação, que se estende da fantasiosa irrealidade da novela O Físico Prodigioso à veridicção (quase) autobiográfica do conto “Homenagem ao Papagaio Verde”. Este realismo de largo espectro declinar-se-á, esclarece Sena, tanto em narrativas onde prevalece um realismo “fantástico” ou “imaginoso” – como acontece nos contos de Novas Andanças do Demónio e, em particular, nessa diablerie anarco-sexual intitulada O Físico Prodigioso –, como nas ficções alinhadas por um “realismo fenomenológico” de recorte contemporâneo, nas quais se procura “tornar mais reais que a realidade, e portanto tão monstruosas como o que os nossos olhos temem reconhecer na ‘realidade’, experiências vividas, testemunhadas ou adivinhadas” (ibid.)."
Paulo Alexandre Pereira,
Um “realismo que não recua”: a ficção de Jorge de Sena
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