segunda-feira, novembro 4

100 de SENA (3)




"A poética essencial da obra pessoana, “o poeta é um fingidor”, é elevada por Jorge de Sena a título de um dos seus primeiros livros de crítica (em 1961), onde a compreende e justifica com enorme clarividência e justeza – embora, no mesmo ano, no prefácio a Poesia I, se afirme devedor de uma poética que lhe é diametralmente oposta. E, no entanto, pode dizer-se que O Poeta é um Fingidor é o primeiro ensaio que reconhece a obra de Pessoa a uma altura teórica que escapa de vez à perspectiva presencista da sinceridade, e a coloca num patamar de relacionamento com a literatura e a filosofia em que se encontra com Baudelaire, Kierkegaard, Nietzsche, Mallarmé, Eliot ou Pound. Sem hesitação, sem resistência nem sombra de emulação. Além disso, Pessoa traz também uma exigência: encontrar o novo (na frase de Rimbaud: “É preciso ser absolutamente moderno”). Esse é o novo que Álvaro de Campos corporiza, que o ortónimo reencontra no simbolismo, que Ricardo Reis desencanta do classicismo ou que Alberto Caeiro funda nas raízes da sensação: é Caeiro quem fala da “eterna novidade do mundo”, pelo que nem sequer é necessário andar à procura do novo, trata-se só de perceber que tudo é constantemente novo. Em suma: a resposta de Jorge de Sena (como a de outros poetas fortes, Sophia, O’Neill ou Cesariny) tem de ser a divergência, ele não se pode nunca permitir a exibição de quaisquer marcas de influência, pela simples razão de que essa seria a infidelidade suprema a um pensamento que exige o novo."


Fernando Cabral Martins, O Poeta não é um fingidor.

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