O melhor dicionário para saber o que é a arte continua a ser o Fernando Pessoa. Através de Álvaro Campos, e distinguindo-a de ciência (que diz descrever as coisas como são), Pessoa sugere que a arte descreve as coisas como são sentidas, como uma sobreposição às coisas da nossa interpretação ou ideia delas. Escreve: "A arte real é encontrar o ponto exacto de contacto entre as coisas e a nossa interpretação delas" (1). E até nos deixou definido o seu fim: o da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte superior é libertar (2). Podemos, então, aceitar que a arte seja a mentira que nos permite conhecer a verdade. E a antiarte? O que é? O seu contrário?
Uma pequena "entrada" de Gonçalo M. Tavares, nesta monumental obra, intitulada Dicionário dos Antis (que me parece ter injustamente passado ao lado nas listas dos melhores livros de 2018), pode, finalmente, ajudar.
Em dois volumes, esta obra exprime a noção de oposição na cultura portuguesa desde o século XII até à actualidade e o estudo destes discursos permite construir a forma como a cultura portuguesa percebeu e criou diferenças ameaçadoras, apresentando a história numa imagem em “negativo”. Um trabalho de investigação singular na Europa (que eu saiba) e que, na escolha para o espelho pintado por Fernando Pessoa, me pareceu também muito interessante. Refiro-me, em particular, a algum cansaço ou mesmo mal-estar que muitos começam a revelar sobre a fundamental obra que GMT nos vai deixando (desta feita, não para um baú). Espero que abra o apetite.
Em dois volumes, esta obra exprime a noção de oposição na cultura portuguesa desde o século XII até à actualidade e o estudo destes discursos permite construir a forma como a cultura portuguesa percebeu e criou diferenças ameaçadoras, apresentando a história numa imagem em “negativo”. Um trabalho de investigação singular na Europa (que eu saiba) e que, na escolha para o espelho pintado por Fernando Pessoa, me pareceu também muito interessante. Refiro-me, em particular, a algum cansaço ou mesmo mal-estar que muitos começam a revelar sobre a fundamental obra que GMT nos vai deixando (desta feita, não para um baú). Espero que abra o apetite.
Todas as artes chegam ao seu zero e continuam a ser arte: silêncio na música, quadro branco na pintura, imobilidade e mudez no teatro, escultura efémera, etc., etc., etc. Não há nada que seja o lado oposto à arte. A arte devora aquilo que se lhe opõe, é omnívora.
O que fica, então, de fora? O que é a antiarte?
A antiarte talvez esteja apenas na intenção, na declaração: “não aceito que o que fiz seja considerado arte”.
Porém, no limite essa intenção pode ser desrespeitada, pode ser engolida.
A antiarte é aquilo que abre o apetite para a arte — é o seu futuro alimento. Por vezes, até, estranhamente o seu futuro centro.
A antiarte talvez esteja apenas na intenção, na declaração: “não aceito que o que fiz seja considerado arte”.
Porém, no limite essa intenção pode ser desrespeitada, pode ser engolida.
A antiarte é aquilo que abre o apetite para a arte — é o seu futuro alimento. Por vezes, até, estranhamente o seu futuro centro.
1) 1914?, Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994. - 237.
2) "A arte inferior dá prazer porque distrai, liberdade porque liberta das preocupações da vida; a arte superior menor dá prazer porque alegra, liberdade porque liberta da imperfeição da vida; a arte superior dá prazer porque liberta, liberdade porque liberta da própria vida" — 13-10-1914?, Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966. - 53.
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