segunda-feira, janeiro 8

Os amigos na Paris de 50




Pouco se sabe sobre a vida sempre meticulosamente resguardada de Maurice Blanchot (1907-2003). Estudou em Estrasburgo, onde conheceu Levinas e de quem se tornou amigo para a vida, este último introduziu-o na obra de Heidegger, que marcou o início de um percurso intelectual para o autor, nos tempos de juventude, envolveu-se nas grandes discussões políticas e intelectuais do seu tempo e as vésperas da Segunda Guerra Mundial, as ideias políticas de Blanchot aproximam-no da extrema-direita mas, ao mesmo tempo, e durante a ocupação, salva imensos intelectuais de ascendência judaica da deportação, facto que, em 1944, o leva ao acontecimento que viria a mudar a sua vida, como confessou, pela primeira vez, 50 anos mais tarde: Blanchot foi levado perante um pelotão de fuzilamento nazi, que, por casualidade, falhou a sua execução. Sartre disse, a propósito, que Blanchot era o crítico mais importante da actualidade, no que foi secundado por Foucault. Publicou dezenas de obras divididas entre a ficção, o ensaísmo e a crítica e toda a sua vida recusou prémios e distinções, bem como entrevistas ou retratos. “A Amizade” (1971) é a segunda colectânea de Maurice Blanchot traduzida em Portugal, muitos anos depois de “O Livro por Vir” (1959). Os ensaios mais importantes do livro são os dedicados a Camus e Kafka. Camus é o companheiro de geração, o das subtis zonas de sombra ou segredo, amigo com quem admiradores e amigos se desencontraram: “Porque ele se expressa claramente, querem confinar Camus à afirmação visível que ele consegue. Porque ele é inequívoco, atribuem-lhe uma verdade inequívoca.” Isto, justo ou injusto, não é canalha, o que já é um progresso. Quanto a Kafka, trata-se de um caso de desajuste ainda mais completo. Sabemos que só o conhecemos na integralidade por causa de Max Brod, que não destruiu o espólio do amigo, como ele lhe pediu. Mas esse mesmo Brod tentou defender o amigo-como-amigo, menorizando o que nele era negrume, e nisso falhou, como teria de falhar: “Kafka morto é intimamente responsável pela sobrevivência da qual Brod foi o instigador obstinado. Por que outro motivo teria feito dele seu herdeiro? Porque, se ele queria que a sua obra desaparecesse, não a destruiu?” Daí que Blanchot pergunte, e não é uma pergunta qualquer: “Quem conhecia Kafka?”. Enfim, e talvez, quem conhece quem e o quê? Fiquemos pelas perguntas.












AMIZADE  
Maurice Blanchot 
Editora: Sr Teste Coleção: Fulgor Quotidiano 
Ano: 2023 ISBN: 9786120015230 Número de páginas: 450 Capa: Brochada
16,20 € 

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