domingo, janeiro 7

“Atrás de uma chata máquina de escrever”



“Há homens que são escritores e fazem livros que são como verdadeiras casas, e ficam. Mas o cronista de jornal é como o cigano que toda noite arma sua tenda e pela manhã a desmancha, e vai.”. E foi assim Rubem Braga, um dos grandes cronistas do Brasil se apresentava. Começou a escrever nos jornais aos 15 anos mantendo o vicio até morrer, em 1990. Compreensivelmente, Abel Barros Baptista e Clara Rowland integraram-no na coleção "Os Melhores Deles Todos"*, da Tinta-da-china, dedicada à literatura brasileira (atenção aos posfácios-conversa desta coleção) optando, aqui, por reunir 99 crónicas que não dependem de uma contextualização histórica ou cultural para serem compreendidas, antes parecem nascer de geração espontânea a partir de minúsculos acidentes e acasos da vida quotidiana ou de uma atenção extrema aos detalhes da vida. A título de exemplo, o anúncio do outono de 1935: “Eu havia tomado o bonde na Praça José de Alencar; e quando entramos na Rua Marquês de Abrantes, rumo de Botafogo, o outono invadiu o reboque. Invadiu e bateu no lado esquerdo de minha cara sob a forma de uma folha seca. Atrás dessa folha veio um vento, e era o vento do outono.” Antes e depois desta epifania, há deambulações mentais, que incluem uma descrição do percurso e dos outros passageiros, mas tudo converge para o lapidar desenlace: “Era iminente a entrada em Botafogo; penso que o resto da viagem não interessa ao grosso público. O próprio começo da viagem creio que também não interessou. Que bem me importa. O necessário é que todos saibam que chegou o outono. Chegou às 13:48 horas, na Rua Marquês de Abrantes, e continua em vigor. Em vista do que, ponhamo-nos melancólicos.”. Folgazão tímido, homem “triste e vulgar” que viveu sempre “atrás de uma chata máquina de escrever”, Rubem Braga foi um habitante privilegiado de Ipanema, chocado, em particular, com a “desarrumação feroz da vida urbana”

* Esta colecção, foi proposta aos dois académicos especialistas em literatura brasileira pela editora Bárbara Bulhosa, sendo “uma sequela” da colecção Curso Breve de Literatura Brasileira, concebida e dirigida por Abel Barros Baptista para a Livros Cotovia e que teve catorze volumes publicados entre 2005 e 2006. A expressão, “Os Melhores Deles Todos”, é uma variação de um verso de Carlos Drummond de Andrade sobre outro poeta brasileiro, Manuel Bandeira, em que o autor de No Meio do Caminho dizia sobre o autor de Vou-me Embora pra Pasárgada: “Ele é o melhor de todos nós”.

 

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