Florbela Espanca (Vila Viçosa, 8 de dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de dezembro de 1930), batizada como Flor Bela Lobo, apesar de ser “alma sonhadora, irmã gémea da minha”, ignorou Pessoa, simbolistas, modernistas e mais "istas", seguindo um caminho singular.
Só António Nobre a cativou pelo tom confessional e por toda aquela tristeza, solidão e saudade. Começa Nobre, o seu Só, assim: “Ouvi-os vós todos, meus bons Portugueses!/ Pelo cair das folhas, o melhor dos meses,/ Mas, tende cautela, não vos faça mal…/ Que é o livro mais triste que há em Portugal!” E reclama Espanca, no seu “Impossível”, assim: “Os males de Anto toda a gente os sabe!/ Os meus ... ninguém.”
A neurastenia levou-a neste dia, em que também se comemora o seu nascimento, mas é neste livro que vos deixo, talvez o mais esquecido da Agustina - todos os livros da Agustina são livros esquecidos - que melhor se explica o que tanto a elevou.
"O neurótico, se é um introvertido, liga-se facilmente a uma conduta fictícia. Essa conduta fictícia é, para Florbela, a amorosa (...) conduta fictícia de noventa por cento dos degenerados sociais, uma caminhada para regiões arcádicas e infantis. O que tem de superior Florbela é esta súbita revelação de auto-regulação da sua conduta fictícia. Por efeito de uma inteligência muito viva, esquiva-se de repente à identificação de uma função, aqui, a função amorosa, e desembaraça-se do encargo dessa líbido que a impede de contemplar a totalidade de si mesma. “Nunca os meus braços lânguidos traçaram o voo dum gesto para os alcançar.” Neste momento, Florbela atinge uma dimensão verdadeiramente consentânea com o génio."(Florbela Espanca - A Vida e a Obra, de Agustina Bessa-Luís, edição: Arcádia, fevereiro de 1979, pp. 24/25)
Neste livro que escreveu sobre Florbela Espanca, Agustina Bessa-Luís oscila entre a biógrafa e a discípula de Freud e questiona a tese do suicídio, por entender que Florbela tinha uma personalidade demasiado passiva para o pôr em prática, com sucesso.
"Com Florbela dá-se esse caso do tratamento ineficaz que degrada a realidade. O regime de repouso absoluto e pequenas refeições serve para a acostumar à fatalidade. A fatalidade é a sua conveniência; e é-lhe imposta como a derradeira trucagem da sociedade que a envolve. Não creio que, em consciência, Bela se suicidasse, exceptuando um descontrolo de todas as suas inibições. O suicídio é uma atitude activa, e foi isto o que ela sempre evitou.
(...)
O facto de a morte de Florbela se ter dado na hora tocante ao dia do seu aniversário fez enraizar mais a ideia do suicídio. De facto, o esquema do suicídio era-lhe familiar. Pode-se dizer que a morte por afogamento, essencialmente feminina, é substituída pela sua prostração à beira-mar, onde ela fica durante muito tempo sem ver nem ouvir ninguém. E é igualmente um simulacro de suicídio a obediência a uma natureza que se apelidou de libertina, mas que, na verdade, não teve outro objectivo senão o de gozar da própria passividade. Não é uma mulher de prazer, mas uma amante da inércia. Apesar das "carícias de fauno", dos condes "luxuriosos e brutais", dos "mistérios de volúpia", Florbela nunca está muito longe da adolescente do liceu cujas bizarrias sublinham um compromisso histórico fundado na ineficácia do seu ser total. A sua imensa tentação de queda está marcada por exigências pontuais, como a roupa bem feita, os colares, os chapéus, até os próprios casamentos, que a demitem duma realidade corporal."
(Florbela Espanca - A Vida e a Obra, de Agustina Bessa-Luís, edição: Arcádia, fevereiro de 1979, p. 147-152)
*
VERSOS
Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma...
Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar,
Um verso é o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!
Meus versos!... Sei eu lá também que são...
Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez...
Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês...
(in "A Mensageira das Violetas")
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INÉDITOS DESTRUÍDOS?
Além de cartas e poemas — revelou ao Expresso a sobrinha Maria Emília Guimarães — existia “numerosa documentação de grande interesse”. “Era um espólio”, acrescentou, “devidamente classificado e constituído por textos publicados, desde os anos 20 aos anos 80, em jornais e revistas e que após a morte a viúva destruiu”.
Por seu turno, num artigo no “Diário
de Notícias”, o jornalista Norberto Lopes, colega de Florbela na Faculdade de Direito de Lisboa, revelou que a correspondência trocada entre Florbela e José Schmidt Rau (houve entre ambos uma intensa relação amorosa) também foi rasgada e queimada pela viúva.
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