sábado, janeiro 21

A Biblioteca da Censura

OBRAS PROIBIDAS E CENSURADAS NO ESTADO NOVO
Coordenação de Álvaro Seiça, Luís Sá e Manuela Rêgo
Biblioteca Nacional, 2022, 486 págs., €15 Disponível em livrariaonline.bnportugal.gov.pt

Existe uma Biblioteca da Censura que permite ir um pouco mais longe no conhecimento do que foi o pensamento dos censores do Estado Novo. Este “arquivo negativo”, descoberto em 2017 por Luís Sá e Manuela Rêgo, funcionários da Biblioteca Nacional (BN), é uma biblioteca obscura de mais de mil livros, apesar das perdas que possam ter ocorrido. Um elemento imprescindível para o desenvolvimento da história da nossa repressão que, agora, junta à lista de livros proibidos os livros dos Serviços da Censura. 

 

Acusados de serem imorais, pornográficos, comunistas, irreligiosos, subversivos, maus, antissociais, dissolventes, anarquistas, revolucio­nários, entre outros "mimos", os livros proibidos contam histórias para os que queiram ver os golpes de que foram alvo, as marcas, os sublinhados, as anotações, os relatórios e contrarrelatórios que desencadearam. É nesses relatórios que a iliteracia dos censores — quase cómica, não fosse trágica — ressalta. Uma censura arbitrária e asfixiante que queria moldar as consciências e a moral da sociedade. Bons exemplos não faltam, a começar pelo mais conhecido a Quando os Lobos Uivam, de Aquilino Ribeiro - embora aqui o censor nos surpreenda pelos neurónios que, ainda assim, soube utilizar. Escreve o censor: “É evidente que, se o original tivesse sido submetido a censura prévia, não teria sido autorizado, porque é talvez a obra de maior ataque político que ultimamente tenho lido. Sucede, porém, estou disso certo, que já devem ter sido vendidos muitas centenas de exemplares e muitos outros já devem ter passado a fronteira, por isso deixo ao esclarecido critério de V. Exa. decidir se, nesta altura, será de boa política mandar apreender o livro, fazendo-lhe assim largo reclame e dando motivo a que contra o governo se insurjam várias críticas nacionais e estrangeiras.” Foi, então, sugerida a proibição de críticas, resenhas ao livro e, claro, a reedição do romance.

 

Mas este livro da B.N. está repleto de outras "pérolas". Eu gosto particularmente desta sobre (é opinião da maioria, não a minha que a guardo para A Engomadeira) o melhor romance de Almada Negreiros. O censor, num gesto rápido e muito hábil, aproveita o momento e também dá uma pincelada larga na pintura do artista. 

 

Notável e imprescindível edição, em especial, para os neurónios da actualidade.



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