"Flor discreta da nossa literatura", como lhe chamou Agustina Bessa-Luís, Maria Judite de Carvalho (Lisboa, 18 de Setembro de 1921 – Lisboa, 18 de Janeiro de 1998) deixou uma crónica triste da burguesia feminina lisboeta. Histórias de pessoas sem futuro, amargas, sozinhas, precocemente envelhecidas, que vivem entre um quotidiano de empregos aborrecidos, famílias convencionais e estioladas, e umas vagas memórias de episódios felizes que acabaram em nada. Deixou um mundo em que é importante que os homens sejam "respeitáveis" e as mulheres "honestas", em que é imperioso evitar o "escândalo" e é necessário que cada um carregue a sua "cruz". Ninguém tinha direito a uma vida verdadeira. O trabalho e a família estão sempre primeiro. Conheceu a recepção favorável da crítica e a indiferença do público, pelo crime pouco ameno dos seus escritos. A condição feminina do Portugal de 50 está por todo o lado. Antecipou o feminismo de 1960. Por ocasião da atribuição do Prémio Camilo Castelo Branco da Sociedade Portuguesa de Autores, em 1961, disse desconhecer a escola a que pertencia, «nem de tal me ocupo. Creio que sou por natureza humana e por formação de gosto anti-romântica».
"Detesto as boas donas de casa. Se são pobres, esfalfam-se a trabalhar, se são remediadas ou ricas arranjam uma ou mais pessoas para se esfalfarem em seu lugar. De qualquer dos modos são escravas do trabalho ou então da vigilância com outras escravas às suas ordens. A vida a correr lá fora, os maridos e os filhos a correrem com a vida, metidos nela, e as donas de casa a esfregar, a limpar, a dar brilho aos metais. Ou a ver as outras a fazê-lo. Olhe que o pó não está bem limpo. Olhe que a torneira não está bem areada"
Maria Judite de Carvalho, Tanta Gente, Mariana, (p.57).
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