Em 2011 e 2012, mais de 40 anos após a publicação de Ressentimento Dum Ocidental, Henrique Segurado (6 de Abril de 1930 - 8 de fevereiro de 2021) regressou com dois volumes nos quais compila a muita poesia que, afinal, nunca deixara de escrever: Almocreve das Palavras reúne a sua obra lírica produzida entre 1969 e 1989, e Debaixo das Tílias aquela que escreveu entre 1990 e 2010. Um dos poemas deste último, Gola Alta, deu origem a um fado de Camané. Dois inesperados volumes que confirmaram um raro gosto pela poesia rimada e pelos metros tradicionais, das redondilhas maior e menor ao decassílabo, e a sua dívida a Cesário Verde, já homenageado em Ressentimento Dum Ocidental com o próprio título do livro. O poema dedicado a Cesário termina com estas quadras:
“E as ruas da cidadeNum rigor tão pombalinoGemendo obscuridadeDe campo com sol a pino…Gafanhotos, escaravelhosE Lua branca de dia(A leitura de Evangelhos/ Dos ateus em romaria!)Perder-me nas tuas ruasDe canastras e varinasDe prédios e de charruasBuíças com carabinas…Só sentir à minha voltaA vida à tua maneira:Um muro de pedra soltaNum tapume de madeira!”
Em 2016, publica ainda um novo livro de poesia, O Avesso do Império, que confirma este juízo de David Mourão-Ferreira (1927-1996), inserido em Almocreve das Palavras, um livro que o ex-companheiro da Távola Redonda já não pôde ler, pelo menos em versão impressa:
“A voz de Henrique Segurado, voluntariamente discreta pelos longos intervalos que têm caracterizado o aparecimento das suas obras, é, no entanto, das mais pessoais dentro da geração de Cinquenta, já por um sentido muito agudo do aproveitamento da tradição em termos de modernidade, já por uma exuberância imagística que frequentemente alterna com um pendor lapidar ou epigramático, de originalidade não menos surpreendente”.
A morte, que o levou o ano passado, foi um dos tópicos recorrentes da sua poesia, encarada de frente e não sem humor em muitos poemas de Debaixo das Tílias, como este "Constatação", que fecha com esta estrofe:
“A morte não permite corrigenda
Na página que fica por escrever.
É carteiro qu'entrega uma encomenda
E que se esquece às vezes de bater...”.
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