segunda-feira, outubro 31

Duas mãos e todo o sentimento do mundo



Metódico no trabalho e no amor (teve um amante durante 36 anos, que conciliou com um casamento de 62 anos), o poeta morreu, em 1987, desiludido com o mundo: "Como acordar sem sofrimento? (...) Como repetir, dia após dia a fábula inconclusa/suportar a semelhança das coisas ásperas de amanhã com as coisas ásperas de hoje?". Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 31 de Outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de Agosto de 1987), foi um dos maiores poetas da língua portuguesa.

AMOR E SEU TEMPO

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.
.
É isto, amor: o ganho não previsto,
o prémio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe.
.
valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.
.
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

Carlos Drummond de Andrade, AMOR E SEU TEMPO, in As impurezas do branco, 1973
e Poesia Completa de Carlos Drummond de Andrade, São Paulo: Nova Aguilar, 2002.
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(dito pelo poeta)


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