domingo, abril 9

O sol negro da modernidade faz 200 anos



Charles Baudelaire (Paris, 9 de Abril de 1821 – 31 de Agosto de 1867), poeta, escritor, tradutor e crítico francês deixou-nos uma poesia formalmente perfeita, mas com imagens bizarras a sugerir uma falsa naturalidade e atreita ao belo sem abdicar do bom. Uma poesia que projecta e prolonga “os puros desejos, as graciosas melancolias e os nobres desesperos”. Enfim, uma poesia de união de contrastes. É ler o prefácio de Baudelaire às Flores do Mal
“Sei que o amante apaixonado do belo estilo se expõe ao ódio das multidões; mas nenhum respeito humano, nenhum falso pudor, nenhuma coligação, nenhum sufrágio universal me obrigarão a falar o jargão incomparável deste século nem a confundir a tinta com a virtude.” 
Théophile Gautier, que também encontram nas Flores do Mal, retira muitas conclusões do convívio com o poeta. mas está absolutamente certo quanto à novidade do estilo de Baudelaire, um estilo que usa, à maneira maneirista, a sofisticação, a originalidade e a tensão como garante de um impacto intelectual e emotivo ainda hoje intacto. 

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O ALBATROZ

Às vezes no alto mar, distrai-se a marinhagem
Na caça do albatroz, ave enorme e voraz,
Que segue pelo azul a embarcação em viagem,
Num vôo triunfal, numa carreira audaz.

Mas quando o albatroz se vê preso, estendido
Nas tábuas do convés, — pobre rei destronado!
Que pena que ele faz, humilde e constrangido,
As asas imperiais caídas para o lado!

Dominador do espaço, eis perdido o seu nimbo!
Era grande e gentil, ei-lo o grotesco verme!...
Chega-lhe um ao bico o fogo do cachimbo,
Mutila um outro a pata ao voador inerme.

O Poeta é semelhante a essa águia marinha
Que desdenha da seta, e afronta os vendavais;
Exilado na terra, entre a plebe escarninha,
Não o deixam andar as asas colossais!


*
"Devemos andar sempre bêbedos. Tudo se resume nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.

Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.

E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhes que horas são: " São horas de te embriagares! Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto."
Charles Baudelaire, O Spleen de Paris (Pequenos poemas em prosa), tradução de António Pinheiro Guimarães, Relógio d‘Água, p. 105 .

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Pode folhear as provas de impressão das Flores do Mal, corrigidas pelo autor, 
digitalizadas em http://c.bnf.fr/rxg.

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