segunda-feira, abril 10

50 anos


Daniel Faria (Baltar, 10 de Abril de 1971 - Porto, 9 de Junho de 1999), poeta e noviço beneditino.

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ANDO UM POUCO ACIMA DO CHÃO
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Ando um pouco acima do chão
Nesse lugar onde costumam ser atingidos
Os pássaros
Um pouco acima dos pássaros
No lugar onde costumam inclinar-se
Para o voo
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Tenho medo do peso morto
Porque é um ninho desfeito
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Estou ligeiramente acima do que morre
Nessa encosta onde a palavra é como pão
Um pouco na palma da mão que divide
E não separo como o silêncio em meio do que escrevo
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Ando ligeiro acima do que digo
E verto o sangue para dentro das palavras
Ando um pouco acima da transfusão do poema
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Ando humildemente nos arredores do verbo
Passageiro num degrau invisível sobre a terra
Nesse lugar das árvores com fruto e das árvores
No meio de incêndios
Estou um pouco no interior do que arde
Apagando-me devagar e tendo sede
Porque ando acima da força a saciar quem vive
E esmago o coração para o que desce sobre mim
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E bebe
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Daniel Faria, Poesia, Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2003.

SOBRE O POETA :

 ”2. Quem assim praticou a humildade . Estou muito feliz por poder falar-vos de um jovem e fabuloso poeta que foi meu aluno. O meu nome é Vera Lúcia Vouga, quase sempre, aliás, abreviado para Vera Vouga. Há muitos anos que trabalho na Faculdade de Letras do Porto. Os alunos que já tive, de mãos dadas, penso com alegria, fariam uma roda à volta da cidade. . Foi meu aluno um rapaz extraordinário. Durante um ano inteiro, sem nunca faltar, sentou-se na primeira fila das minhas aulas de Estudos Literários. Estava no primeiro ano de Estudos Portugueses; era atento e calado durante o que eu expunha mas participava com entusiasmo discreto e profundo naquelas quatro horas por semana que tento sempre que sejam um encontro de festa, onde a beleza seja irmã gémea do rigor. Permanentemente disponível, como se tivesse todo o tempo do mundo, Daniel Faria trazia para as aulas a experiência de 25 anos de vida, muitas leituras e actividades artísticas e um curso de Teologia, tirado na Universidade Católica. . Era de aparência frágil. O que mais se via nele eram uns olhos muito claros onde, como num espelho luminoso, se via reflectir a aula. No fim das aulas, costumava trazê-lo no meu carro, para a Igreja do Marquês, onde nessa altura morava. Conversámos muitas vezes mas nunca me disse que era poeta e já tinha livros publicados. . Três anos mais tarde, quando estava já no último ano de Estudos Portugueses, veio ter comigo com dois envelopes grandes. Cada um era um livro de poemas em fase final. Pediu-me para vê-los, dizer se achava que devia publicá-los e para usar a caneta e corrigir tudo o que não fosse perfeito. Quando os abri, fiquei deslumbrada! O Daniel era um poeta muito, muito grande, tão grande na humildade quanto na poesia. Ajudei a rever e a organizar esses livros, com a certeza de que era uma enorme responsabilidade e um grande privilégio. Saíram os dois em 1998: são "Explicação das árvores e de Outros Animais" e "Homens que São como Lugares mal Situados". . No fim desse ano, o Daniel Faria entrou para o Mosteiro de Singeverga e no ano seguinte, como consequência de uma queda em que bateu com a cabeça, morreu. Viveu só 28 anos, mas "a respirar como um clarão". Deixou quase pronto, sobre a mesa de trabalho, um outro livro, chamado "Dos Líquidos", que acabei de rever e foi depois editado. Hoje, a sua obra principal está reunida no volume "Poesia", publicado pelas Quasi Edições, em Dezembro de 2003. . Tocar os poemas de Daniel Faria é como amanhecer com braçados de luz total. Agora digo-vos adeus para que, sobretudo nos passos em que fala o poeta (10, 11 e 12) possam comprová-lo. Podem saltar a pés juntos, directamente, para lá.” . 

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