terça-feira, março 9

Manuel Resende estava a fazer um belíssimo trabalho



Manuel Resende (Porto, 9 de Março de 1948 - Almada, 29 de Janeiro de 2020) foi uma espécie de segredo. Estreou-se como poeta com Natureza Morta Com Desodorizante, um volume publicado em 1983 na colecção Plural, da Imprensa Nacional/Casa da Moeda, e só voltou a publicar poesia quase uma década e meia mais tarde, em 1997, quando saiu, na &etc, o livro Em Qualquer Lugar seguido de O Pranto de Bartolomeu de las Casas. Esperou sete anos para revelar O Mundo Clamoroso, pela Angelus Novus e, finalmente, Poesia Reunida, na Cotovia, em 2018, livro recebido quase como uma revelação de um sólido e culto poeta inédito ou, pelo menos, relativamente ao qual houve uma grande distracção crítica. Nos grandes intervalos de publicação e das suas engraçadas — são sempre... — proclamações trotskistas de "revolução permanente" foi-nos traduzindo, Mishima, Henry James, Lewis Carroll, Shakespeare, Katherine Mansfield, Saki, Lydia Davis, Bukowski, Dan Rhodes, Peter Sloterdijk, Kaváfis, entre outros. E deixou-nos uma surpresa recentemente oferecida; A Grécia de Que Falas... (antologia de poetas gregos modernos), traduções de Manuel Resende, recolha e organização: Rui Manuel Amaral
posfácio: Tatiana Faia, Língua Morta, Fevereiro 2021. Estava a fazer um belíssimo trabalho, mas...
“... queria concentrar-me num outro Manuel Resende, que conheci assim que liguei para o número que o Manuel António Pina me cedeu, naquele verão já longínquo. O Manuel estava de férias e, como o português tão de gema que é, estava no Algarve. O Pina já lhe tinha falado do nosso interesse em editá-lo e o Manuel, quando atendeu, disse-me, meio a rir, meio a gritar (ou não fosse já meio surdo), que não ligava grande coisa a isso de editar livros, embora agradecesse muito o interesse. Não tenho a certeza de que a expressão tenha sido usada, mas ia jurar que se autodescreveu como “poeta bissexto”. Quem mais jura mais mente, e não me importaria nada de mentir neste caso, uma vez que ao invocar a condição do “poeta bissexto” estou a trazer a este texto a pessoa que criou a expressão e lhe deu dignidade literária e teórica: Manuel Bandeira, o poeta sobre quem tantas vezes falei com este outro Manuel, o Resende. Lembro-me, aliás, de uma vez em que, andava eu às voltas com um texto de J. M. Coetzee sobre a ideia de clássico para um capítulo da minha tese (e que depois retirei da tese), o Manuel lembrou, para a tradução da experiência da epifania estética que Coetzee descrevia, a palavra que Bandeira gostava de usar a esse propósito: alumbramento. Uma palavra perfeita, por ser uma palavra portuguesa em tradução (do espanhol), ou não se tratasse do Manuel, um poeta e um tradutor, ou melhor, um tradutor a dobrar. (...)” . 
Osvaldo Manuel Silvestre, in “Considerações demasiado pessoais sobre o poeta bissexto Manuel Resende”

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