Teixeira Gomes (Presidente da República entre 1923 e 1925) sempre teve a mania epistolar. Por o seu temperamento se comprazer melhor no desalinho da conversação despretensiosa do que nas composições oratórias, escrever uma carta nunca me foi pesado. Por isso, se nunca concretizou um livro de memórias, deixou vasta correspondência e a que qui se reúne, com o poeta João de Barros, tem a particularidade de mostrar um Teixeira Gomes preocupado com a (re)construção da sua imagem. Lembremos que foi muito e duramente criticado. Até Miguel Torga, no seu “Diário”, ao registar a sua morte, e sem o conhecer, não hesitou em chamar-lhe “manjerico”.
Mas Teixeira Gomes também era homem de cultivava ódios viscerais. Com Bernardino Machado à cabeça, foi fiel inimigo de estimação de João Chagas, desprezado-o por motivos de carácter e ausência de lealdade política e de Júlio Dantas a quem apelidou de “merdiflor” (“Deve-se-lhe um invento genial: a aplicação dos pastéis de nata em supositórios. Uma vez na confeitaria Marques, engoliu, por ‘ali’ uma grande bandeja cheia deles.”)
Com tanto maltrato intelectual, a sua opinião acerca da literatura portuguesa é muito amarga e clara: “um mito”. “Nós parecemos tudo menos o que na realidade somos, isto é, plagiários inveterados, do princípio ao fim, de uma literatura de décima ordem.” Camões foi "o melhor exemplo de uma repentina e salutar renascença, de pureza de formas e claridade de ideias e de estilo”, Fernão Mendes Pinto a figura que “sempre exerceu fascinação irresistível pela graça e cristalina simplicidade do seu estilo, que parece de agora”. Eça não o satisfez tanto como Camilo, que apontou como o maior escritor português do século XIX.
Mas, acima de tudo, a República é que o desiludiu-o. Em abril de 1927, escreve a João Barros: “É, ou parece, um país de réprobos, onde todos vociferam, ardendo em ódio, consumidos de inveja.”
Na recta final da sua vida, em Bugia (Argélia francesa) confidenciou o que seguramente oferece unidade e interesse a este livro: “Estas cartas já se vão dando ares de ‘capítulos de memórias’, que não é intenção minha escrever. (...) Eu sigo, tanto quanto possível, saboreando este resto de vida, como criança que come o seu último bolo, às migalhas.”
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