domingo, fevereiro 26

Victor Hugo à entrada da modernidade

Juliette Drouet (amante) e Victor Hugo
Victor-Marie Hugo (Besançon, 26 de fevereiro de 1802 — Paris, 22 de maio de 1885) foi quase tudo e também ativista pelos direitos humanos. Nasceu por alturas da proclamação de Napoleão e aos 15 anos já era premiado pela Academia Francesa por um dos seus poemas. Mais tarde começa a falar da necessidade de romper com as amarras e restrições do formalismo clássico para poder refletir a extensão plena da natureza humana. Defende o drama moderno com a coexistência do sublime e do grotesco. Aos 25 anos lidera o romantismo na França. Para a sua emblemática obra, Os Miseráveis, a editora belga Lacroix and Verboeckhoven realizou uma campanha de publicidade incomum para a época, emitindo notas à imprensa sobre o trabalho até seis meses antes do lançamento. A crítica francesa foi, em geral, hostil ao romance. Flaubert achou que o livro não era “nem verdadeiro nem genial”; Baudelaire – apesar de críticas positivas em jornais – chamou a obra de “sem graça e inepta”. 

Este romance traz a filosofia política de Victor Hugo. É um mundo onde há cooperação - e não luta - entre as classes. Sempre um reformista, critica as misérias sociais, mas não adota o discurso socialista da luta de classes. Acreditava no direito do homem usufruir dos frutos do seu trabalho, embora reforçasse a responsabilidade que acompanha o enriquecimento pessoal. Não se opõe à violência contra um poder ilegítimo. É assim que, em 1851, lança um chamado à luta, "carregar seu fuzil e ficar preparado". Tão pouco aceita o comunismo. Só a revolução que é a confirmação dos princípios e não o seu desrespeito. Acreditava que uma sociedade aberta encontraria soluções para seus problemas. Era contra políticas de redistribuição de riquezas, pois o efeito dessas seria desincentivar a produção, cuja consequência seria sempre o prejuízo mais cedo ou mai tarde dos membros mais pobres da sociedade.

No final de 2012, o museu Maison de Victor Hugo, que antes foi a casa do escritor, em Paris, abriu uma exposição sobre a influência do Espiritismo em Victor Hugo e na produção artística em geral: Entrée des médiums, Spiritisme et Art, de Hugo à Breton. O título "Entrada dos médiuns" vem de um texto do francês André Breton, líder do surrealismo, movimento artístico que teve grande interesse pela mediunidade, principalmente pela psicopictografia. Sabe-se que acreditava na vida para além da morte, mas o tema religioso é ainda hoje alvo de muita discussão.

Recentemente, surgiu no mercado, Prefácio a Cromwell e Outros Prefácios de Victor Hugo, de Pedro Eiras (Edições Afrontamento, janeiro de 2018), onde se apresentam um conjunto de textos de Victor Hugo que são exemplos do discurso prefacial oitocentista e que enunciam alguns dos mais importantes princípios poético-estéticos que a Modernidade perseguiu e que no século XIX se apresentaram como essenciais ao entendimento diferenciado da criação artística.

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Desenho de Victor Hugo, Por de sol (1853-1855)

Dois excertos de cartas de amor de Victor Hugo a Juliette Drouet (10.4.1806 - 11.5.1883), atriz que deixou a carreira para se lhe dedicar, tendo sido sua companheira e secretária (vulgo, amante) durante cerca de 50 anos, incluindo nos de exílio. A data da sua primeira noite de amor (16-17 de Fevereiro de 1833) seria também a da primeira noite de Marius e Cosette, em Os Miseráveis... Nem a biografia de Julliette, que ao longo da vida escreveu a Victor Hugo mais 20.000 cartas e bilhetinhos com um talento tal que permitiram a Gérard Pouchain, em 1992, construir a sua biografia, nem as cartas de 50 anos entre ambos se encontram traduzidas em Portugal. Utilizamos aqui a tradução deste excerto encontrado n´A Vida Breve.

"Acabei, enfim, acabei! E logo me precipito a enviar-te uma palavrinha! Amo-te, és a minha vida, toda a minha vida. Aqui estou, pois, liberto! Que alegria! Até logo! Amo-te mais do que nunca. E tu, como te sentes esta manhã, minha alegria? Passaste bem a noite, ao menos? Irei encontrar o teu belo rosto radioso como o céu, que ontem chorava e hoje sorri? Preciso que tenhas saúde, que me ames, que sejas feliz. Preciso de ti, da tua saúde, do teu amor, da tua felicidade. Sabes, pobre querida, que podes viver descansada enquanto eu viver. O céu fez as minhas mãos para que reparassem a tua vida meio desfeita, a minha alma para compreender o teu coração, os meus lábios para beijar os teus pés. 
O que me acalma ou o que me agita, o que me torna alegre ou triste, o que refulge no meio da noite, a meu lado, e me alumia mil vezes melhor do que o candeeiro de trabalho, o que me encanta os dias durante os meus passeios solitários, os meus estudos, os meus devaneios, e até as mais enfadonhas tarefas, é a tua imagem, a lembrança de que existes, de que me amas, de que me esperas, de que pensas em mim! Se tenho algum génio, é de ti que me vem."

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