segunda-feira, janeiro 23

Câmara de filmar com o olho humano


Com o pretexto de não deixar passar o aniversário da morte de Dziga Vertov, não se desperdice a oportunidade que o OC nos oferece de ver um dos melhores filmes de sempre — historicamente o "mais" marcante, talvez — Homem da Câmara de Filmar/Man With a Movie Camera (1929), do realizador soviético Dziga Vertov. Ainda por cima com um excelente extra: banda sonora da responsabilidade da Cinematic Orchestra.


ATTENTION VIEWERS: 
This film is an experiment in cinematic communication of real events. 
Without the help of Intertitles, without the help of a story, without a help of theatre. 
This experimental work aims at creating a truly international language of cinema based on its absolute separation from the language of theatre and literature.

O filme começa com aquelas palavras coloridas a vermelho de Vertov. Sem intertítulos, sem história e sem atores, pretende distanciar-se ao máximo da literatura e do teatro, criando uma linguagem única, a kino-pravda, uma linguagem que capta a realidade tal como ela é e se distancie o mais possível cinema mais tradicional, o que ele chama de “dramas psicológicos” - montes de clichés, cópias de cópias que interfere, segundo o realizador, indevidamente na relação operário-máquina. Vertov desejava criar um cinema que tivesse um ritmo próprio e específico, que não fosse encontrado em mais nenhum lugar. Logo após este manifesto, o filme arranca com duas sequências curiosas, características de uma autorreferência ao cameraman e ao próprio filme. Numa,temos uma sobreposição de Mikhail Kaufman em cima de uma câmara de filmar, como se estivesse em cima de uma ravina, a observar a paisagem. Noutra vemos uma sala de cinema e o preparar de o início de uma sessão de cinema onde é exibido nada mais, nada menos, que este O Homem da Câmara de Filmar. A partir daqui, entramos numa “viagem” de planos que incluí imagens da cidade intercaladas com close ups de montras, máquinas, planos do quotidiano, alguém a varrer, alguém a vestir-se, o movimento das ruas e dos veículos da altura. E, pela primeira vez, algo que será recorrente ao longo do filme, o plano da lente da câmara e uma superimposição célebre desta com um olho. Assumindo-se ele próprio como um instrumento intermediário entre o espectador e o real (e não como uma mera representação), Dziga Vertov faz clara alusão ao ato de filmar e ao processo de edição/montagem do filme, seja quando vemos o operador da câmara Mikhail Kaufman em diversos planos, seja quando observamos Elizabeta Svilova a trabalhar na montagem do filme. Com base nas teorias “cine-olho” e uma recusa de utilização do estúdio, Dziga Vertov captou a realidade tal como ela era vista, utilizando vários tipos de planos (close ups, cross-cutting, slowmotion, etc), colocando a câmara em motociclos e locomotivas, criando sequências de imagens caóticas, que negavam as ideias convencionais de narrativa. A ficção era vista como isso mesmo, uma narrativa imaginária e irreal. A ideia de utilização do estúdio, do argumento, dos atores, etc., era radicalmente rejeitada. A grande matéria-prima do material cinematográfico é a realidade e foi, neste filme, que, pela primeira vez, se criou uma linguagem cinematográfica própria, livre da encenação e da teatralidade do estúdio. Estão justificados o entusiasmo e a oportunidade.

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