sábado, novembro 2

100 de Sena (1)

O PÚBLICO preparou uma série de trabalhos que reflectem a diversidade da obra e a riqueza do pensamento de um dos mais influentes intelectuais portugueses do século XX. Todos os dias, de 2 a 9 de Novembro. Pela qualidade dos convidados, publicaremos aqui breves trechos.




"Decompondo essa totalidade e começando pelo poeta que quis ser acima de tudo, não restam quaisquer dúvidas de que Jorge de Sena é um dos autores centrais da poesia portuguesa do século XX. Avesso à muito lusa tradição do lirismo bucólico e sentimental, afastou-se também das principais correntes do seu tempo – do presencismo ao neo-realismo e ao surrealismo –, mas sem deixar de as integrar criticamente, e sem cair nos excessos formalistas a que o desejo de renovar o discurso poético levaria alguma poesia dos anos 60 e 70. 
A dimensão cívica e política dos seus versos, a atenção ao quotidiano, a recusa do sentimentalismo, a violência declarativa, uma oficina que tanto atingia paroxismos de conseguida experimentação formal (leiam-se os célebres Sonetos a Afrodite Anadiómena) como se abria à contaminação da prosa, à intrusão de coloquialismos e a uma frequente dimensão narrativa, e ainda a sua abordagem da sexualidade, nos antípodas do languescente erotismo luso, são características que tornaram a poesia de Sena um tudo nada agreste para o gosto da época, mas que lhe asseguraram um impacto nos poetas portugueses das últimas décadas que se impunha começar a reconhecer.
 O ensaísta Carlos Mendes de Sousa vê, por exemplo, a marca daquilo que o próprio Sena assumia como uma “poética do testemunho” num autor como Manuel de Freitas, e lembra “a pioneira dimensão ecfrástica” da sua poesia, em particular no livro Metamorfoses (1963), para sugerir a provável influência que terá exercido num poeta como José Miguel Silva. O facto de Manuel de Freitas ter chamado a um dos seus livros Terra Sem Coroa (2007) e de nele ter incluído uma expressa homenagem ao autor de Coroa da Terra (1946), o segundo volume de poemas de Jorge de Sena, já abona em favor desta intuição, mas o próprio poeta a confirma: “Centraram-se obsessivamente na influência do Joaquim Manuel Magalhães e não falam do Sena, como não falam do João Miguel Fernandes Jorge, que também foi importante”, diz Freitas, lembrando que não é por acaso que o volume que escreveu a meias com José Miguel Silva, Walkmen (2007), abre com uma citação do poeta de Arte da Música: “Nada nos salva desta porra triste”."
Luís Miguel Queirós, Jorge de Sena: o gigante indigesto da cultura portuguesa, in Público

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