sexta-feira, julho 12

89



Ninguém atura o professor e crítico literário norte-americano Harold Bloom, que nasceu neste dia em 1930, mas não há remédio para a dor: é um dos incontornáveis do nosso tempo e dos mais atentos, como prova aqui a falar de Saramago e sua obra:

"Eu conheci José Saramago há dez anos, quando estivemos juntos na Universidade de Coimbra e iniciamos uma troca de correspondência. Naquela época, eu já escrevera alguns ensaios entusiasmados sobre sua obra e o considerava um homem notável. Claro que houve o controverso período da ditadura de António Salazar, quando ele foi acusado de se manter distante dos horrores daquele momento político. Na verdade, isso não me interessa - prefiro vê-lo como o escritor que deixou ao menos oito romances de grande qualidade. Trata-se de um feito raro. Em meu país, creio que Philip Roth tem, por enquanto, duas obras incomparáveis, assim como outros nomes talentosos: Thomas Pynchon também tem dois livros memoráveis, enquanto Don DeLillo e Cormac McCarthy despontam com apenas um cada. Volto a dizer, isso é notável. Saramago também era autor de textos bem-humorados, ao contrário do que atacavam seus críticos. (...)"

"Para mim, Saramago tanto escrevia comédias deliciosas como romances tenebrosos e melancólicos. Mas ainda estou convencido de que seu melhor romance continua sendo O Evangelho segundo Jesus Cristo: corajoso, polémico contra o cristianismo em particular mas contra as religiões em geral. Há poucos livros que conseguem tratar Cristo e o catolicismo sem se sujeitar a um respeito obrigatório. Aqui, Saramago conseguiu, assim como D. H. Lawrence e, em menor grau, Norman Mailer. Creio que, entre os premiados com o Nobel de Literatura nos últimos anos, ele foi quem realmente mereceu. (...)"

"Ele se tornou um homem iluminado ao se mudar para as Canárias. Saramago foi infeliz em seu primeiro casamento, assunto do qual pouco conversamos. Mas reencontrou a felicidade com Pilar, uma mulher mais jovem, bonita, interessada em seu trabalho. Isso influenciou seu trabalho. Como em A História do Cerco de Lisboa, em outros romances, houve maior exaltação do amor heterossexual. Lembro-me de poucos livros do século 20 e mesmo do início do século 21 que trataram a paixão de forma tão charmosa. Outro romance que me surpreendeu foi As Intermitências da Morte, cujos personagens têm sua rotina modificada tanto pela Morte, que entra em greve, como por um violoncelista que gosta da Suite Nº 6 para Violoncelo de Bach. Trata-se de uma memorável forma de se utilizar a imaginação." 

Excertos de uma entrevista que Harold Bloom deu no dia da morte de José Saramago ao jornalista Ubiratan Brasil, publicada no jornal O Estado de São Paulo a 19 de Junho de 2010.

Sem comentários:

Enviar um comentário