sexta-feira, junho 14

Não se incomodem


E foi assim, como a sua obra, que o adeus a Agustina suscitou as habituais reacções extremadas: pelo silêncio ou pela crítica velada ouvimos e lemos a rejeição por parte daqueles que lhe criticam a arquitectura estrutural, improvisada e remendada, dizem, ou a paixão viciante dos que sabem estar a sempre a ler, com ela, um romance único.

Talvez António José Saraiva tenha sido quem melhor anteviu a sua ordem de grandeza: "Agustina será reconhecida quando, com a distância, se puder medir toda a sua estatura, como a contribuição mais original da prosa portuguesa para a literatura mundial. Ainda está demasiado perto de nós para que possamos desenhar o contorno do seu esplendor, que, como acontece em todos os casos de genialidade pura, é ainda invisível a muito dos seus contemporâneos".

Pela sua morte elevou-se um coro público de superlativos e hipérboles que, para António Guerreiro, foram "mobilizações circunstanciais dos entusiasmados sem nenhum conteúdo, apenas fascinados por si mesmos". Foi acompanhado por Vasco Pulido Valente, no seu Diário, que também criticou "a multidão de devotos" que teceram laudas hiperbólicas a Agustina, afirmando que ele, Vasco, "se excluiu dessa imensa multidão": "Agustina não é uma grande autora internacional (…) é uma filha de Entre Douro e Minho, que nunca percebeu o que ficava para além das fronteiras em que sempre se fechou".

Creio que nos salvou a "visão mística" de Gonçalo M. Tavares que considerava Agustina uma "extraterrestre", mas o assunto é delicado. Nunca lhe foi perdoada a mulher política que foi, não porque o foi, mas pela escolha do lado que fez. Uma confusão como achá-la uma mulher perigosa e não perceber que, afinal, era só uma pessoa perigosa na medida em que conhecia profundamente a natureza humana. (E isso é, de facto, um perigo).

Não a desejam muito. E para saber de quem se está a falar, bastaria recordar quem nem uma linha escreveu sobre a monumental obra de três volumes, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, que reuniu os artigos e ensaios que a escritora publicou na Comunicação Social, entre 1951 e 2007.  Quina também era uma mulher mais capaz "de dedicação que de paixão", uma mulher que preferia ser admirada a desejada. Não se incomodem.

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