terça-feira, maio 23

Seriam 100



«Nação pequena que foi maior do que os deuses em geral o permitem, Portugal precisa dessa espécie de delírio manso, desse sonho acordado que, às vezes, se assemelha ao dos videntes e, outras, à pura inconsciência, para estar à altura de si mesmo. Poucos povos serão como o nosso tão intimamente quixotescos, quer dizer, tão indistintamente Quixote e Sancho. Quando se sonharam sonhos maiores do que nós, mesmo a parte de Sancho que nos enraíza na realidade está sempre pronta a tomar os moinhos por gigantes. A nossa última aventura quixotesca tirou-nos a venda dos olhos, e a nossa imagem é hoje mais serena e mais harmoniosa que noutras épocas de desvairo o pôde ser. Mas não nos muda os sonhos.»

Eduardo Lourenço, Nós e a Europa ou as duas razões, in Artes e Ideias (1988)

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- O Senhor esteve alguns anos no Colégio Militar.
- Sim, sim.
- Quem entra no Colégio Militar passa a ser tratado por um número, de certa forma perde a sua identidade.
- A redução ao número é, sem qualquer dúvida, um traumatismo…
- Qual era o seu?
- O 92. Nem estamos em condições de medir os riscos desse traumatismo. Além disso estava num regime de internato, o que piorava um pouco as coisas.
- Ia a casa aos fins-de-semana?
- Não porque a minha casa ficava muito longe. Ia nas férias grandes e nos natais… O Colégio Militar tem uma mitologia própria, adquire-se um enorme espírito de grupo talvez alguma coisa me tenha ficado desse colectivismo, embora não seja muito sensível a isso. Para mim foram importantes as amizades, as amizades de infância são sempre as que perduram nos anos.

Luís Osório, 25 Portugueses, 1999 Lisboa (2ª edição), Editorial Notícias, p.162.

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