Alguém, não recordo o nome, disse-me que para escrever uma biografia
se tinha rodeado de retratos daquela pessoa que se ia chamar.
Chamar, é o termo.
Há duas biografias que eu gostava (se soubesse) escrever: a de um tal José da Cruz Santos (Modo de Ler) e a da Agustina. Por causa dos enigmas, das surpresas e por, nem um nem outra, terem andado pelo mundo como quem contempla uma paisagem.
Foi uma bela madrugada que a prosa desanuviada e estudada da Isabel Rio Novo me proporcionou. Finalmente, uma Agustina como a que eu, com 17 anos, n ‘O Primeiro de Janeiro’, conheci: controversa, interventiva, insubmissa e que nunca casou com as circunstâncias que se esperariam de uma rapariga de boas famílias.
Dois factos, aqui, muito bem documentados: nunca se afirmou feminista, mas a sua história de vida foi muito mais radical do que a de muitas feministas que por aqui pululam, e se gostava de dinheiro, coisa que nunca escondeu – atitude bem distintiva dos seus reservistas mentais colegas de profissão, ainda hoje –, era do que se ganha a trabalhar.
Eis o episódio relacionado com o ’Diário do Norte’, no início dos anos 70, que ficou no tinteiro por causa dos princípios da escritora e apesar do tilintar bonito do sedutor metal (que só assim é vil).
Lembro-me de cada cumprimento com a escritora. Como se nota, o prazer foi todo meu e continua.


[Isabel Rio Novo, O Poço e a Estrada, ContrapontoFevereiro 2019, 504 páginas]
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ADENDA: A autora falou com amigos da Agustina, leu cartas assinadas pela escritora e entrevistas que esta concedeu à imprensa, viu documentários e visitou locais, releu contos e romances. Só não conseguiu chegar à família, o que faz desta uma biografia não-autorizada. O livro contou com o entusiasmo inicial da filha de Agustina, Mónica Baldaque, mas também com um súbito desinteresse posterior. Tem a chancela da Contraponto (grupo Porto Editora) mas o historiador Rui Ramos estará neste momento a trabalhar numa outra biografia de Agustina, mas pela sua actual editora, a Relógio d´Água...
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