quinta-feira, janeiro 17

As coisa poderiam ter corrido de outra maneira

A vida é curta de mais para Saguenail, que a enche de trabalho numa lógica em que, uma vez feito, é público, não obedece a formatos e é inacabado. A última oferta contra a "preguiça", associa a cúmplice da editora Hélastre (que “não é apenas uma casa de produção fora do sistema ou uma editora pirata”), Regina Guimarães, que lhe traduz do francês, e Paulo Ansiães Monteiro (PAM), que enche cada página com os seus desenhos mágicos — linhas que nos empurram para um tempo mais primitivo, profundamente humano, e porque um desenho nunca é apenas um desenho, para aquilo que se vê e para aquilo que se esconde. 


São três “histórias” em ritmo cinematográfico de quem não gosta de repetir takes e com pulsão filosófica de quem não acredita na arte como “criação”, de quem prefere Wittgenstein, que nos ensina que as respostas dependem da formulação da pergunta. 

São três “histórias” de quem ainda nos assombra ler e nos tranquiliza por sempre nomear pelo nome o objeto e/ou sujeito da sua crítica: que Portugal sempre sofreu do que Luiz Pacheco dizia: “não é um país de avançados é um país de avençados”; que António Pedro Vasconcelos, Joaquim Leitão, ou Tino Navarro, na ânsia do comercial à a la Hollywood, tornaram-se muito "cómicos"; que os grandes responsáveis pela baixa qualidade dos filmes são, primeiramente, os cinéfilos que não vão às salas e etc., etc., etc. . 

O visível serve para enganar e a primeira arma do engano é a linguagem, que se desmonta, inclusive, a ela própria. Estas três histórias são também para interrogar esse visível, porque a realidade das coisas (já sabemos, mas tendemos a esquecer), nunca a conhecemos — chamamos mesa a uma superfície plana em certa altitude, que utilizamos para trabalhar ou comer, mas se a pusermos de pernas para o ar continuamos a chamar-lhe mesa, ainda que não possamos mais trabalhar ou comer sobre ela. É também um "livro-silêncio" num débito ficcional que tendemos a engolimos em excesso e um presente aos olhos a preço que não nos envenena (5 euros).

“A insuficiência lexical é a base do princípio da generalização: mesmo se ou porque não se pode comer nela, designa genericamente todas as mesas, constituindo o verdadeiro — e ideal — arquétipo de todas elas. (...) consenso linguístico (...) tudo concorre para o empobrecimento tendencial da linguagem paralelo à diminuição de situação de comunicação não convencionais — redutível a um “like”, à maneira dos questionários de resposta múltipla.” 

Saguenail et PAM, élite et roture (Hélastre, 2019, p.120)

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