
Vasco Graça Moura, que não era
“nem muito ás, nem muito tolo/ e nunca espelho de virtudes”, foi um magnífico e generoso editor e um talento cultural de múltiplas facetas. Em matéria poética, nomeou os seus antecessores (Camões, Bernardim, Cesário, Sena, “alguns ingleses”) e sublinhou que sempre lhe interessou dialogar com a música e com a pintura, definindo a tradução como um mecanismo expansivo:
“no que escrevi me traduzi/ e traduzi outros também/ e traduzindo me escrevi/ e a escrever-me fui em quem// das várias coisas que senti/ fez sofrimento de ninguém”. Assumido burguês, ateu e “incorreto” em política, escreveu a “Balada do Bom Cavaquista” que se destina, ninguém me tira da ideia, a desagradar mais a esquerda do que a agradar à direita. Em
Nota sobre um Autor, desenhou-se pela célebre definição aplicada por Diogo de Sousa a Sá de Miranda:
"poeta até ao umbigo, os baixos prosa". Sem ideia de posteridade ou pose, escreveu, traduziu, defendeu causas e escritores e ainda teve tempo de reconstruir a INCM-Imprensa Nacional, que lamentavelmente já o esqueceu (para quando uma edição das obras completas do seu mais ilustre presidente?).
Hoje, faria 79 anos e continua a pressentir-se no ar esse repetido silêncio e preconceito com que alguns o tentaram atingir para desonra de quem o praticou. Mas não se preocupem que ele não ligaria nada a isso.
Deixou, antes, em testamento um desafio:
«às editoras (...)
deixo um bom saldo a fazer,
mal fiquem meus livros no armazém:
quem me chamava cerebral
faça o favor de me ler bem».
Em conclusão: assim como vos enganou na célebre balada, também se divertiu "à brava" em vos vender a ideia que a sua poesia devia tudo ao trabalho A técnica nunca serviu só de mero ornamento. Era um poeta extremamente inspirado.
Soneto do amor e da morte
quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura, Antologia dos Sessenta Anos
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