LIVROS
Só um qualquer Camilo (mas não confundam o Camilo com qualquer um) e um objeto (não sei se voador, mas certamente não identificado) sofisticado no seu diálogo com a materialidade do livro - grafismo e paginação - e extremamente libertador da tristeza dos géneros, podia passar a perna à grande edição do ano: a publicação de toda a poesia do grande perdedor, todos anos, do prémio Camões, António Franco Alexandre. Este é o primeiro pedido de desculpas. O segundo é este: o nº 10, nem o li. Mas que diabo, comprei-o, é meu, e é um Javier Marías, que é como quem diz, um escritor impecável, sempre com tempo de mandar para o jardim escola aqueles que fazem da identidade um fator da aparência, num recreio de festas de purismo patético, sempre a encalhar numa polarização que fingem contestar mas acirram, logo, não pode deixar de estar sempre entre os melhores. É o que tenho para dizer em defesa da minha lista, sendo certo que não estou aqui para ser contrariado.
INTERNACIONAL
Em Março já tinha decidido dar a vitória aos franceses Feu! Chatterton. Cheirou-me fortemente a Serge Gainsbourg com uma guitarra nova. O vocalista queima na língua as palavras e aceita que a banda arrisque arranjos rock complicados e eufóricos. Chegava para mim. Mas depois veio o Natal e li isto: “Músicos: Paul McCartney, todos os instrumentos, vocais, produção e gravação”. Ora, isto é grave, pois o gajo é canhoto, inglês famoso e tem perto de 80 anos. Nenhum novato com uma direita convencional se abalança, em ano de isolamento, a trabalhar nestes termos, isto é, sem companheiros-zoom. E fazer uma obra-prima. Não há tempo nem paciência para explicar o bem da viagem proposta, mas é a variedade agridoce, o jeito que transparece de quem está mesmo a divertir-se, os arranjos de vitalidade e simplicidade típicas dos génios. Sozinho, McCartney oscila entre estar aqui e nos melhores anos 70. Estende as guitarras, os baixos e as batidas em mais de 8 minutos em “Deep Deep Feeling” de forma a envergonhar qualquer jovem que vai estar no próximo Primavera Sound. A melhor guitarra talvez esteja em “Slindin” (perguntem aos Nirvana, por exemplo), e o estilo em “Find My Way”. O “pretty boy” ainda acha que é ele, a um ano dos 80, quem pode tratar de nós: “You never used to be afraid of days like these/ But now you're overwhelmed by your anxieties/ Let me help you out, let me be your guide/ I can help you reach the love you feel inside”.
Por cá, nem deu para escolher 10 álbuns. Estagnámos. Só fomos salvos pelos nossos melhores. Bruno Pernadas é um ovni. Aquela sonoridade espacial, harmónica e solar é única no nosso universo e compete com o mundo inteiro. Um dia a Primavera Sound vai ganhar juízo e colocá-lo depois das 21h00. Compreendo que não saibam se aquilo é Pop ou Jazz ou música improvisada. Até porque não é nada disso. Nem caleidoscópica. Nem um exercício de estilo. São viagens por geografias, imagens, vozes e espíritos. É um querer habitar o presente de maneira singular: com o futuro e com o passado. Tudo ao mesmo tempo. Coisa que todos os restantes também tentam fazer à sua maneira e por isso se recomendam. (Bem-vindo ao mundo dos vivos, Reininho!)
CLÁSSICA
1. Vaca Preta, Marcos Foz (Bestiário/Snob)
2. Contos e Novelas - Volume II, Toda a ficção curta de Camilo Castelo Branco, org., introdução e notas de Hugo Pinto Santos (E-primatur)
3. Poemas, António Franco Alexandre (Assírio & Alvim)
4. Sétimo Dia, Daniel Faria (Assírio & Alvim)
5. O Nascer do Mundo nas suas Passagens, Silvina Rodrigues Lopes (Edições do Saguão)
6. Três Conferências — Primeira: Lança o teu Pão sobre as Águas (sobre o Qohélet / Ecclesiastes), Maria Filomena Molder (Edições do Saguão)
7. Ensaios, Lydia Davis (Bazarov)
8. Teorias Cínicas, de Helen Pluckrose e James Lindsay (Guerra & Paz)
9. Este Grande Não-Saber, de Denise Levertov, Trad. Andreia C. Faria/Bruno M. Silva (Flâneur)
10. Tomás Nevinson, Javier Marías, (Alfaguara)
Só um qualquer Camilo (mas não confundam o Camilo com qualquer um) e um objeto (não sei se voador, mas certamente não identificado) sofisticado no seu diálogo com a materialidade do livro - grafismo e paginação - e extremamente libertador da tristeza dos géneros, podia passar a perna à grande edição do ano: a publicação de toda a poesia do grande perdedor, todos anos, do prémio Camões, António Franco Alexandre. Este é o primeiro pedido de desculpas. O segundo é este: o nº 10, nem o li. Mas que diabo, comprei-o, é meu, e é um Javier Marías, que é como quem diz, um escritor impecável, sempre com tempo de mandar para o jardim escola aqueles que fazem da identidade um fator da aparência, num recreio de festas de purismo patético, sempre a encalhar numa polarização que fingem contestar mas acirram, logo, não pode deixar de estar sempre entre os melhores. É o que tenho para dizer em defesa da minha lista, sendo certo que não estou aqui para ser contrariado.
MÚSICA
1. Paul McCartney – III (Capitol)
2. Feu! Chatterton - Palais d'argile (Universal)
3. Little Simz - Sometimes I might be introvert (Age 101)
4. L’Rain – Fatigue (Mexican Summer)
5. Sault – Nine (Forever Living Originals)
6. Ian Simmonds – The Brunswick Variations (Art Yard)
7. Nubiyan Twist – Freedom Fables (Strut Records)
8. Sons of Kemet - Black to the future (Impulse)
9. Floating Points - Pharoah Sanders & The London Symphony Orchestra (Promises)
10. BADBADNOTGOOD – Talk Memory (XL Recordings)
11. For the First Time Black Country - New Road (Ninja Tune)
12. Afrique Victime - Mdou Moctar (Matador)
13. Fladu Fla - Fogo Fogo (Rastilho Records)
14. Nicola Conte & Gianluca Petrella – People Need People (Edizioni Izstar)
15. Bloto – Kwasy I Zasady (Astigamatic Records)
16. Juçara Marçal – Delta Estácio Blues (Mais Um Discos)
17. Vasconcelos Sentimento – Furto (Far Out Recordings)
Em Março já tinha decidido dar a vitória aos franceses Feu! Chatterton. Cheirou-me fortemente a Serge Gainsbourg com uma guitarra nova. O vocalista queima na língua as palavras e aceita que a banda arrisque arranjos rock complicados e eufóricos. Chegava para mim. Mas depois veio o Natal e li isto: “Músicos: Paul McCartney, todos os instrumentos, vocais, produção e gravação”. Ora, isto é grave, pois o gajo é canhoto, inglês famoso e tem perto de 80 anos. Nenhum novato com uma direita convencional se abalança, em ano de isolamento, a trabalhar nestes termos, isto é, sem companheiros-zoom. E fazer uma obra-prima. Não há tempo nem paciência para explicar o bem da viagem proposta, mas é a variedade agridoce, o jeito que transparece de quem está mesmo a divertir-se, os arranjos de vitalidade e simplicidade típicas dos génios. Sozinho, McCartney oscila entre estar aqui e nos melhores anos 70. Estende as guitarras, os baixos e as batidas em mais de 8 minutos em “Deep Deep Feeling” de forma a envergonhar qualquer jovem que vai estar no próximo Primavera Sound. A melhor guitarra talvez esteja em “Slindin” (perguntem aos Nirvana, por exemplo), e o estilo em “Find My Way”. O “pretty boy” ainda acha que é ele, a um ano dos 80, quem pode tratar de nós: “You never used to be afraid of days like these/ But now you're overwhelmed by your anxieties/ Let me help you out, let me be your guide/ I can help you reach the love you feel inside”.
Depois dele parece que gostei de coisas muito diferentes, mas “olhe que não!”, “olhe que não!”. Parece Jazz? Não, propriamente. Parece Rock? Também não. E só Soul não é certamente. Mas tudo isso mutando-se em novas formas, pós-punk, hip-hop inscrito no seu tempo e lugar (longe dessas banalidades que ouvem no FM — nem confundam, porra!), dub assaltado por negrume grime, às vezes fúria implacável, outras uma voz negra magnífica. E todos no mesmo sítio: o Reino Unido. Depois de décadas como centro indispensável da música popular urbana, depois de uma anemia irritante, eis que volta à revolução sónica. E se há revolução, está lista não podia estar mais bem comandada.
NACIONAL
NACIONAL
1. Bruno Pernadas – Private Reasons (Bruno Pernadas)
2. PZ – Selfie-Destruction (Meifumado Fonogramas)
3. Rui Reininho – 20000 Éguas Submarinas (Turbina)
4. Chão Maior – Drawing Circles (Revolver)
5. Septeto Inter-Regional – Septeto Inter-Regional (Lovers & Lollypops)
6. Miguel Ângelo Quarteto – Dança Dos Desastrados (Miguel Ângelo)
7. Miguel Torga – Matutino (3437260 Records DK)
8. Sensible Soccers – Manoel (Sensible Soccers)
Por cá, nem deu para escolher 10 álbuns. Estagnámos. Só fomos salvos pelos nossos melhores. Bruno Pernadas é um ovni. Aquela sonoridade espacial, harmónica e solar é única no nosso universo e compete com o mundo inteiro. Um dia a Primavera Sound vai ganhar juízo e colocá-lo depois das 21h00. Compreendo que não saibam se aquilo é Pop ou Jazz ou música improvisada. Até porque não é nada disso. Nem caleidoscópica. Nem um exercício de estilo. São viagens por geografias, imagens, vozes e espíritos. É um querer habitar o presente de maneira singular: com o futuro e com o passado. Tudo ao mesmo tempo. Coisa que todos os restantes também tentam fazer à sua maneira e por isso se recomendam. (Bem-vindo ao mundo dos vivos, Reininho!)
1. Magnus Lindberg — Aura, Marea, Related Rocks, Orquestra Sinfónica da Rádio Finlandesa, Hannu Lintu, Emil Holmström & Jonas Ahonen, Jani Niinimäki & Jerry Piipponen (Ondine)
2. Julian Prégardien, Martin Helmchen; Quinteto de Cordas — Christian Tetzlaff, Florian Donderer, Rachel Roberts, Tania Tetzlaff, Marie-Elisabeth Hecker - Schubert — O Canto do Cisne (Alpha)
3. Il Giardino Armonico, Giovanni Antonini - Haydn 2032 no10, As Horas do Dia Sinfonias Le Matin, Le Midi, Le Soir (+ Mozart — Serenata Notturna) - (Alpha)
4. Michael Spyres - Baritenor Árias de Mozart, Rossini, Donizetti, Verdi, Wagner, Offenbach, Ravel, etc. , Orquestra Filarmónica de Estrasburgo, Marko Letonja Erato/Warner
5. Freudvoll und Leidvoll (lied) Jonas Kaufman, Helmut Deutsch - Liszt (Sony)
6. Leila Schayegh Sonatas e Partitas para Violino Solo - Bach (Glossa)
7. L’Orfeo Valerio Contaldo, Mariana Flores, Giuseppina Bridelli, Ana Quintans, Alejandro Meerapfel, Salvo Vitale — Monteverdi — Coro de Câmara de Namur, Cappella Mediterranea, Leonardo Garcia Alarcón (Alpha)
8. Leif Ove Andnes- Mozart Momentum 1785 — Concertos para Piano no 20, no 21, no 22, Fantasia em dó menor, Quarteto para Piano e Cordas no1, Música Fúnebre Maçónica - , (Sony)
9. Danil Trifonov - Silver Age — Obras de Stravinsky, Prokofiev e Scriabine, Orquestra do Mariinsky, Valery Gergiev (DG)
10. Beatrice Rana - Chopin — Estudos op. 25, 4 Scherzi (Warner)
TELEVISÃO
1. Succession (HBO Portugal)
2. It ́s a Sin (HBO Portugal)
3. The White Lotus (HBO Portugal)
4. Get Back/McCartney 3, 2, 1 (Disney+)
5. What We Do In The Shadows (HBO Portugal)
6. Reservation Dogs (HBO Portugal)7. Glória (Netflix)
EXPOSIÇÕES
1. Os Novos Babilónios: Atravessar a Fronteira - Pedro G. Romero, (Galeria Municipal do Porto)
2. Terçolho - João Maria Gusmão e Pedro Paiva (Museu de Serralves)
3. PANDEMIC, I Don’t Know Karate, but I Know Ka-Razor!, - FILIPE MARQUES, (Galeria Municipal do Porto)
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