"Conhecendo-se as ligações do jazz ao cinema ou à literatura, a exposição no Hot Clube (a inaugurar esta quinta-feira, pelas 18h) emerge no território da BD, não só para nos dar a conhecer em traços gerais o perfil dos autores expostos, como para tentar entender o que os aproximou do jazz. Dos franceses Siné (1928-2016) e Cabu (1938-2015), bem como da dupla Jacques de Loustal e Philippe Paringaux, não ficam dúvidas: todos eles se mostravam amantes deste género musical. Siné foi, através de Boris Vian, colaborador da revista Jazz Hot e desenhou capas de discos, enquanto Cabu (morto nos infames atentados ao Charlie Hebdo) era, escreve Leonel Santos, “um amante de Jazz e as referências à grande música negra encontram-se espalhadas por inúmeras caricaturas e pranchas ao longo dos anos”. Já a dupla Loustal e Paringaux assinou em 1987 Barney et La Note Bleue, uma homenagem em BD ao saxofonista francês Barney Willen (La Note Bleue é um dos seus mais celebrados discos). Por falar em duplas, são também aqui expostas pranchas de uma outra, famosa, a dos argentinos José Muñoz e Carlos Sampaio, nascidos no início dos anos 40 e que, sem nunca terem ido aos Estados Unidos, recriam nos seus álbuns “os ambientes mais soturnos” de Nova Iorque. Como mostram Nos Bares (2012) e Billie Holiday (2015), os seus dois únicos álbuns com edição portuguesa, o primeiro pela ASA e o segundo pela Levoir e distribuído com o PÚBLICO. De Muñoz há ainda ilustrações para um romance de Julio Cortázar (L’Homme à l’affût) e um álbum comemorativo, com muitos autores portugueses, editado por ocasião da Capital Iberoamericana de Cultura: Cidade, Jazz da Solidão (CML/Livros Horizonte, 1994). Ainda da Argentina, outra dupla: Jorge González e Horacio Altuna, com Hate Jazz (2006). As deambulações pelas pranchas passam também por Itália, com trabalhos de Guido Crepax (1933-2003), com L’Homme de Harlem, 1979; e Sualzo (Antonio Vicenti), com L’Improvisateur (2008). Ambos amantes de jazz, confessando-se o segundo um “saxofonista fracassado”. E é de Itália que podemos fazer uma ponte com o continente americano, partindo do admirável trabalho de Sergio Toppi (1932-2012) em Blues (2007), passando pelo brasileiro Alcimar Frazão (que em O Diabo e Eu, de 2015, revisita a lenda que rodeia o genial guitarrista Robert Johnson, referência máxima do blues do Delta do Mississipi, que morreu com apenas 27 anos e inspirou numerosos músicos) e chegando a Robert Crumb, figura emblemática da cena underground norte-americana. Hoje com 78 anos, é aqui representado com um curioso livro, não de banda desenhada propriamente dita, mas de retratos a cores vivas de figuras por ele escolhidas (como se fossem cromos) de géneros musicais do seu agrado. Heroes of Blues, Jazz & Country, editado em 2006, contém 36 figuras do blues, 36 do jazz e 40 da música country, sendo que no CD que o acompanha, Crumb foi mais equitativo: 7 faixas de cada género, num total de 21. Ainda da cena underground, expõem-se Harvey Pekar (1939-2010), com excertos de American Splendor (que originou um filme homónimo em 2003, com Paul Giamatti) e o espanhol Antonio Pamiés, com trabalhos da revista El Víbora. E nos EUA recua-se até aos 40, com duas histórias da série The Spirit, de Will Eisner (1917-2005): The Maestro e Bebop. Há ainda o marroquino Youssef Daoudi com Monk! (2021), homenagem ao génio de Thelonious Monk, e um lote de autores portugueses, do fanzine Jazzbanda, editado por Geraldes Lino (1936-2019), director do Clube Português de Banda Desenhada, até ao trabalho de José Carlos Fernandes na série A pior banda do mundo (O quiosque da Utopia, 2002), passando pela colecção BD Jazz, da Nocturne, onde participaram Pedro Zamith, Pedro Nora, João Fazenda, Fernando Martins, João Paulo Cotrim ou Fernando Guerreiro. Jazz para ver e ouvir depois, com os olhos cheios de cores."
quinta-feira, setembro 16
Jazz aos quadradinhos
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