Um admirável mundo novo

Há algum tempo que esperava por algo assim. Mas bem vistas as coisas a receita é mágica: o cruzamento do universo Serge Gainsbourg com a eletrónica incandescente de uns LCD Soundsystem agarrados a uns Radiohead. O vocalista, Arthur Teboul, queima na língua as palavras e aceita, ao terceiro disco, que a banda arrisque arranjos rock mais complicados e progressivos. À potência poética junta-se agora uma desejada potência melódica. Ficaram apenas estilhaços do projecto anterior, uma espécie de slam jazz em que a banda improvisava e Arthur declamava os seus poemas. Será a canção é um poema? Os Feu! Chatterton chegaram à conclusão que a palavra é essencial, mas não menos do que o rock e a electrónica, que oferecem a importante melodia. O jogo está no equilíbrio das Artes; o  resultado procurado no que inflame e inebrie. Mas a poesia e o teatro não se perderam com a afirmação Palais d’Argile — um palácio de argila sujeito a desmoronar-se, mas que milagrosamente se aguenta de pé — até porque estava prevista uma dramatologia para este disco, travada pela pandemia. O disco começaria com uma crítica à tecnologia, falando sobre o colapso do mundo, evoluindo depois para uma reflexão e tudo terminaria com Monde Nouveau, o proposto mundo novo. Agora, Monde Nouveau, foi transplantado do final do espetáculo para o início do álbum. Logo a seguir Cristaux liquides e Écran total lidam com esta noção de alheamento social e de atenção sugada pelos ecrãs, com este esquecimento de levantar os olhos e perceber o espaço em que nos encontramos, indiferente às outras pessoas-ilhas. A potência do rock aumentou para amplificar a ideia que a poesia pode ser a solução contra este mundo em acelerado colapso. (Afinal, a poesia salva?). O disco não obedece a um programa político, já o defenderam os músicos antes das habituais apropriações. É antes uma reflexão que propõe outras sobre a tecnologia que é muito bonita, mas também propaga uma inação condenável. Tudo parte de um guião que tenta combater a distância, mas não deixa de ser relevante que agora a banda seja privada disso. Comemorações só num ecrã perto de si..