domingo, fevereiro 7

A Devida Comédia


"Uma expressão muito comum fala em torturar números até eles dizerem o que queremos.
É evidente que também se pode torturar a linguagem até ela dizer o que queremos.
Um político que minta é um completo desastrado a nível linguístico (não falemos aqui de questões éticas, apenas de linguagem).
Um político pode sempre não mentir, distorcendo a linguagem de forma a que esta (como aparente descrição da realidade) o favoreça. Qual é a parte da vasta realidade de um facto que escolhemos para que a linguagem fale e nos defenda?

Num exemplo extremo, Estaline poderia dizer, dos homens enviados para os terríveis campos de concentração da Sibéria, que eles “estavam em período de deslocação” — e não estaria a mentir. Estaria a dizer a verdade — parte da verdade, claro, e eliminando a essência da situação real. Aquela era uma deslocação, sim, mas contra vontade e para uma prisão de onde provavelmente os deslocados sairiam loucos ou em forma pasmada e mansa de cadáver. Mas não precisaria de mentir, precisaria apenas de torturar a linguagem até ela se transformar numa aliada.

TODOS OS CIDADÃOS DEVERIAM TER LIÇÕES DE LINGUAGEM COMO QUEM TEM LIÇÕES DE ARTES MARCIAIS PARA AUTODEFESA. [...] UM CIDADÃO LÚCIDO EM DEMOCRACIA OU TREINA OS MÚSCULOS DA LINGUAGEM OU É SIMPLESMENTE UM TONTO."

Gonçalo M. Tavares, Expresso

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