"Marcelino da Mata não nasceu no Portugal em que nasceram boa parte daqueles que o julgam, nem gozou de nenhumas das vantagens que hoje temos por adquiridas; nasceu de mísera condição num canto obscuro do que era um grande império colonial, que serviu com bravura e convicção, encerrado nos limites de uma mundividência anacrónica e, já então, morta. As suas qualidades militares resgataram-no do anonimato, sendo instrumentalizado para fins de propaganda do regime. O nosso dever é o de não instrumentalizar Marcelino da Mata, em nome de determinadas visões do passado, num duelo pelo controlo da História. Muito menos para marcar mesquinhos pontos no tabuleiro da política doméstica. Marcelino da Mata serviu outro Portugal, um Portugal que já não existe. Por ele matou e dispôs-se a morrer, como qualquer militar, em qualquer tempo. Compete-nos carregar o peso do passado, o seu brilho e a sua sombra, sem sacralizar nem lapidar, no tribunal da nossa douta opinião, as escolhas de um homem simples, com ínfimas responsabilidades no curso da História, que serviu uma causa injusta, enquanto guerreiro do último império colonial. Os seus, a família militar, honra-o em nome dos valores do ethos militar, que são permanentes. Os demais devem procurar respeitar os sentimentos ainda vivos de todos os que sofreram o desgraçado século XX português, pois o nosso é um país trágico, que, como Saturno, devora os seus filhos."
in Expresso.
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