sábado, fevereiro 13

A Devida Comédia

"Merece flutuar assim o cidadão incauto que nada entende de linguagem? Merece, sim senhor. Merece muito." 

"Uma questão essencial da política da linguagem é o publicitar de uma certa acção que se vai prolongar no tempo.Quase sempre lemos anúncios do tipo: “computadores vão começar a ser distribuídos em Fevereiro.” E um certo problema “vai começar a ser solucionado a partir de Março”. A chave aqui é o “vai começar”.
Começar é uma brincadeira de crianças. Toda a gente começa. Até o mais desastrado; até o mais preguiçoso está sempre a começar coisas.
A questão não é começar uma tarefa, é acabar uma tarefa.
Dirão que não se pode acabar sem antes começar. E sim, claro, isso é evidente. Mas podemos começar em Fevereiro de 2021 a fazer algo e terminar em dezembro de 2045 essa acção. E, portanto, se, por exemplo, alguém anunciar que vai começar dia 20 de Fevereiro de 2021 a distribuir um exemplar dos “Lusíadas” por todos os cidadãos, pode estar a dizer a verdade (mentir é que nunca) e entregar dois exemplares dos “Lusíadas” a dois felizes sujeitos em Fevereiro de 2021 mas só acabar de fazer essa distribuição em 2036 da parte da tarde. E, portanto, “a questão são duas”, para falar rapidamente:
1 — quando vão começar?
2 — quando vão acabar?
Duas perguntas que exigem duas respostas que devem estar juntas como duas partes do mesmo organismo. Dizer que se vai começar algo numa certa data é não dizer a metade essencial: quando vai terminar? Quando vai terminar? Quando vai terminar?"
Gonçalo M. Tavares,
Expresso

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