VI
não possotu sabes que não possorepetir-meo sangue que cai uma veznão torna a caira estrela a febreas unhas cravadas no peitopalavra já afirmadadita por mim e por tinão não nãonão querooutra vez a mesma existênciatu sabesque o abandonar o corpodentro de uma longa superfícienos faz saber que– cavalo ou mola de aço –tudo é exaustivamente brilhanteos próprios extremos da noitese colam aos nossos dedose palpavelmente nos aparecemluminososerguidos eroticamenteo espaço povoadopor esferas de cristaldigo eunão sei talveznão possotornar à primeira vezque te encontreiagora vaileva os teus braçosos teus olhoso teu sexopartedeixa-me apenaso ventomaio 1950
Mário-Henrique Leiria (Lisboa, 2 de Janeiro de 1923 — Cascais, Cascais, 9 de Janeiro de 1980) , Poesia - Obras Completas, Volume II, Organização e notas de Tania Martuscelli, E-Primatur, 2018, p. 150-151.
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Como muito bem se sabe, no princípio não havia água.
Só havia o verbo.
Depois apareceram o sujeito e o complemento directo.
Mas de água, nada.
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Então todos começaram a beber vinho e deus achou que era bom.
E lá isso era!
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No entanto, com o aparecimento das primeiras culturas
do tipo comercial,tornou-se evidente
a falta de qualquer coisa
que pudesse aumentar a produção do vinho
e torná-lo mais rentável.
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Era a água, claro.
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Mas não havia água, como já fizemos notar.
As primeiras pesquisas,
então ainda bastante primitivas,
levaram à descoberta da água-pé.
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Embora curiosa, essa descoberta não resolveu,
de forma alguma, o fim pretendido.
Continuava a não haver água. As pesquisas prosseguiram.
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Felizmente o homem é assim, nunca desiste.
É isso que faz o progresso.
E largos tempos passados chegou-se a nova descoberta:
a aguardente.
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Era melhor, não duvidemos, mas realmente não era o desejado.
Faltava a água. Definitivamente.
As civilizações pastoris, no seu nomadismo constante,
descobriram, acidentalmente, a água-bórica que,
aliás, nunca serviu para nada. Coisas de nómadas.
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Foi então que no seio das culturas orientais
mais avançadas tecnologicamente,
surgiu a grande invenção:
um misterioso pó branco que,
deitado em mínima quantidade num litro de água,
o convertia,
quase milagrosamente,
num litro de água.
ESTAVA INVENTADA A ÁGUA
.
Inicialmente rara e só usada para fazer vinho,
tornou-se no entanto com o desenvolvimento industrial,
bastante acessível e abundante.
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Ergueram-se os primeiros lagos,
deu-se início aos rios pequeninos e,
finalmente surgiram os rios maiores,
aqueles muito grandes,
que consta várias pessoas já terem visto por aí.
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Este progressivo desenvolvimento líquido
teve como consequência
o aparecimento de poderosas civilizações marítimas,
que se desenvolveram de tal maneira que nos puseram
no brilhante estado em que nos encontramos.
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É o que fazem as invenções.
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No entanto, e mesmo com a actual abundância,
não devemos abusar, dada a tremenda
explosão demográfica que se está registando.
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Parece-nos mais prudente beber gin. Sempre.
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