terça-feira, dezembro 29

E (quase) tudo 2020 levou



Vasco Pulido Valente (1941-2020) foi, finalmente, considerado um génio. Aqueles de quem ele sempre disse mal agarram-se, em 2020, firmemente ao cadáver. Deixou claro que isto de ter feitio, não ser de capelas nem de respeitos protocolares, resulta sempre muito bem depois de morto.

Quino (1932-2020), o genial inventor de Mafalda morreu em setembro, pouco depois de ter “morto” a Mafalda, logo após esta se ter tornado “uma ditadora”. 

Kobe Bryant (1978-2020), desapareceu em janeiro num acidente de helicóptero que matou igualmente a filha adolescente. Foi a maior figura da NBA na era pós-Jordan. Ganhou cinco anéis de campeão pelos LA Lakers. Melhor só o nosso (FCP) novo base.

Maradona (1960-2020), um dos melhores futebolistas de sempre. O melhor que vi jogar. Não era exemplo fora de campo, mas ainda assim foi maior do que a vida (e jogava muito bem de cabeça).

Little Richard (1932-2020), o pianista mais rock’n’roll da história e inventor do mais complexo e início de sempre de uma canção: “A-wop-bop-a-loo-bop a-lop-bam-boom!....”. 

Eddie Van Halen (1955-2020), de calças de licra ninguém tocava melhor guitarra.

Terry Jones (1042-2020), um dos fundadores do coletivo britânico Monty Python, fazia piadas memoráveis. Ganhou a batalha do humor, mas não a da luta contra a demência. 

John Robert Lewis (1940-2020), ao lado de Martin Luther King, foi um dos que marchou para Selma em 1965. As imagens do seu brutal espancamento pelas forças policiais foram decisivas para que o Governo americano percebesse que aquela não era uma luta dos negros, mas sim de todos os seres humanos. 

John le Carré (1931-2020), foi quem trouxe ao género "policial", dominado até então por Ian Fleming e o seu implacável glamoroso e vencedor James Bond, os suores e as angustias da noite. Segundo William F. Buckley Jr., fez pela espionagem o que Flaubert fez pelo adultério ou Dostoievsky pelo crime.

Sean Connery (1930-2020), nascido em Edimburgo, em 1930, numa família da classe operária, e o seu primeiro trabalho foi como distribuidor de leite, depois de deixar a escola aos 14 anos. Meia dúzia de entregas depois, foi mais de 7 vezes o 007. Para muitos, o melhor.

Eduardo Lourenço (1023-2020), foi para “a morte como se todos aqueles que nos conheceram e nós amámos estivessem connosco”. Nos seus livros e intervenções públicas, abordou sempre o país. “Portugal não é uma ilha, mas vive como se fosse. Talvez por uma determinação de quase autodefesa. O que me admira mais não é a preocupação constante que temos em saber qual é a figura que fazemos no mundo enquanto portugueses. Todos os países terão à sua maneira essa preocupação. É o excesso dessa paixão. É preciso que não estejamos sempre a viver um Ronaldo coletivo, um ‘nós somos o melhor do mundo’”. Era gigante, portanto. 

José Cutileiro (1934-2020), escrevia os obituários de todos, mas um cancro não o deixou escrever o seu. Resultado, menos um página para ler no Expresso.

George Steiner (1929-2020), crítico e ensaísta, escreveu sobre a relação entre a literatura e a sociedade moderna. Concluiu(-nos) que as grandes obras de arte e do pensamento são realizações heroicas para um mundo que está a perder a capacidade de as compreender e de se conhecer a si próprio. 

Juliette Gréco (1927-2020), atriz e cantora francesa, imortalizou-se com "Déshabillez-moi" Tornou-se uma das principais intérpretes da chanson francesa, interpretando textos de artistas como Sartre, dos poetas Jacques Prevert e Jean Cocteau, do dramaturgo Bertolt Brecht e de compositores como Leo Ferré, Guy Beart e Georges Brassens. Serge Gainsbourg gostava tanto dela que lhe escreveu "La javanaise". 

Paolo Rossi (1956-2020), o futebolista italiano que destruiu o Brasil no Mundial de 82. 

Kirk Douglas (1916-2020), um enorme ator americano que nunca ganhou um Óscar. 

Max von Sydow (1929-2020), ator sueco cuja presença quase paralisava, jogou xadrez com a morte em “O Sétimo Selo”, de Bergman, e foi o Imperador Ming em “Flash Gordon”. Mas foi essencial “o primeiro e o melhor Stradivarius que alguma vez tive nas mãos”, disse Ingmar Bergman.

Manuel Resende (1948-2020), foi (é) uma espécie de segredo. Nos intervalos (de décadas) entre publicação, proclamava a "revolução permanente" de Trotsky e traduzia Mishima, Henry James, Lewis Carroll, Shakespeare, Katherine Mansfield, Saki, Lydia Davis, Bukowski, Dan Rhodes, Peter Sloterdijk, Kaváfis, entre outros. Estava a fazer, na literatura, um belo trabalho.

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