quinta-feira, abril 16

"A idosa rainha das nossas catedrais"


Há um ano, os bombeiros acabavam de extinguir o fogo na catedral de Notre Dame.
Este é o balanço final, ao fim de nove horas de combate às chamas:
  1. Dois terços do edifício ficaram destruídos;
  2. O tecto da catedral colapsou totalmente;
  3. A icónica torre central caiu;
Macron falou à nação: "Há mais de 800 anos, soubemos como construir esta catedral e, através dos séculos, fazê-la crescer e melhorar. Agora vamos construi-la todos juntos". Mas havia uma profecia que pouco repararam...
"Victor Hugo (1802- 1885) consagrou um dos seus romances mais conhecidos a Nossa Senhora de Paris [Notre-Dame de Paris/Nossa Senhora de Paris, de 1831, por cá editado pelo Círculo de Leitores, em 1972, com tradução de José da Natividade Gaspar] (...) Um dos centros da acção é, com certeza, o que se fixa na dupla constituída pelo corcunda Quasimodo e pela bela Esmeralda; no entanto, e todo um vasto conjunto de personagens e destinos cruzados que se emaranham no livro de Victor Hugo. Nossa Senhora de Paris divide-se em onze livros, o terceiro dos quais, um dos mais breves, se concentra na grande catedral e na cidade que a envolvia, no tempo histórico que é o do romance: 1492, no reinado de Luís XI. (...) Não é por acaso que Victor Hugo relembra ao leitor o estado de coisas do Paris de Quatrocentos. É essa urbe palpitante e perigosa, cruel e inquietante, que o referido Livro III de Nossa Senhora de Paris captura. E é essa cidade brutal e violenta, extremada nos seus contrastes e na sua dureza implacável, que cerca a catedral. Perante o terrível incêndio que, nesta segunda-feira da semana da Páscoa, assolou a catedral parisiense, as palavras de Victor Hugo parecem-nos adquirir tonalidades de uma terrível profecia – e Hugo adoptou amiúde esse tom profético.  "A igreja de Nossa Senhora de Paris é decerto ainda um majestoso e sublime edifício. Contudo, por muito formosa que se tenha mantido ao envelhecer, a custo se contém um suspiro e não nos indignamos perante as degradações, as multidões inúmeras, que simultaneamente o Tempo e os Homens causaram ao venerável monumento, sem respeitarem Carlos Magno, que assentou a primeira pedra, nem Filipe Augusto, que colocou a última. No rosto desta idosa rainha das nossas catedrais, ao lado duma ruga depara-se sempre uma cicatriz. Tempus edax, homo edacior, o que de bom grado assim traduziria: O Tempo é cego, o Homem é estúpido." 
Hugo Pinto Santos, Público.

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