
A vida de Fernando Namora (Condeixa-a-Nova, 15 de Abril de 1919 - Lisboa, 31 de Janeiro de 1989), médico (forçado, depois convencido) e escritor foi feita de retalhos.
Os pais, comerciantes, partiram da aldeia de Vale Florido para Condeixa-a-Nova, nos arredores de Coimbra, e aí abriram uma loja de tecidos a retalho; por baixo, a loja dos pais, por cima, a habitação. Namora nasceu ali, em 1919, na sobreloja desta casa pequena que hoje é a sua casa-museu.
É de pequenos retalhos da infância em Vale Florido que compõe a sua memória, em Autobiografia (1987, edição d"O Jornal): "Às vezes uma imagem desgarrada, sobressaindo absurdamente na opacidade do tempo." Foi também aos retalhos que estudou numa "puberdade encarcerada". Escondia-se a ler — dizia que "o fazia desconfiar da alegria" — e ainda na escola secundaria criou um jornal literário, todo ele escrito e ilustrado por ele, exemplar único, distribuído aos colegas por dois tostões que sustentava os vícios do cigarro e do cinema.
Neo-realista geracional, nos anos 30, ainda estava na ressaca da crise financeira de 1929, mas nos anos 50, os seus títulos Homem Disfarçado (1957) e Cidade Solitária (contos, 1959), acusam, segundo Óscar Lopes, "o toque existencialista do decénio", deixam o ambiente rural e passam a centrar-se na ideia da "condição humana". Um reavaliar de um movimento que talvez seja vítima de leituras redutoras, pois talvez seja mais heterogénio do que se pretendeu e de melhor qualidade literária do que geralmente se pensa, uma questão (literária) ainda em aberto e muito bem analisado aqui, por Luis Miguel Queirós.
Ficou marcado por uma das grandes polémicas da literatura portuguesa. Conta-nos Luiz Pacheco: "O Herberto Helder, o Serafim Ferreira e um monhé conhecido, cujo nome nunca soube. Estou calado, alheado. O Herberto começa a desbobinar um dramazinho frustre. O paleio dele não se percebia se era aldrabice pegada, uma confissão que ninguém lhe pedira, um simples desabafo em tarde morta. Era mais ou menos: ele dizia que Maria Estela Guedes tinha feito um livro sobre ele, surripiando textos alheios que ele próprio lhe indicara como matéria de estudo, fontes de informação. Ninguém lhe estava a ligar muito e ele insistia. Até que o Serafim Ferreira atalhou, dizendo mais ou menos que isso de plágios e gatunices era facto corrente. Também o Namora copiara frases inteiras de "Aparição" do Vergílio Ferreira e as metera no "Domingo à Tarde" e ganhara com esse romance o Prémio Lins do Rego, na altura dez contos, então uma bela maquia. O Herberto parou as suas queixinhas. O Serafim saiu campeão na descoberta dos plágios e o monhé ficou monhé como antes. Eu é que espevitei. (Puta Que os Pariu! - A Biografia de Luiz Pacheco, de João Pedro George, edição: Tinta da China, novembro de 201, p. 189).
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