terça-feira, dezembro 19

Vitorino Nemésio (19.12.1901 — 20.02.1978)



Escreveu e publicou poesia durante toda a sua vida. Começou aos 15 anos com o Canto Matinal (1916) e terminou aos 76 com o Caderno de Caligraphia, em que trabalhava quando faleceu a 20 de fevereiro de 1978. Contava maravilhosas short story de humor e fazia admiráveis enxertias de temas açorianos de fôlego egrégio. Também servia de orientador à distância para menores de 40 anos com aquele célebre verso: 
"Eu me construo e ergo peça a peça./ De saudade, vagar e reflexão./ Com quase 40 anos, mal começa/ Ovo de tanta coisa, o coração." 
 É claro que nestes "novos" tempos em que cheguei, e ultrapassei esses 40, o coração não é ovo de grande coisa nem esses 40 se recomendam por ai além. Ainda ninguém se preocupa com a nossa velhice, mas já ninguém se impressiona com a nossa juventude.  

Como poeta  Vitorino Nemésio (19.12.1901 — 20.02.1978) foi "a própria negação daqueles discursos de maior ou menor fôlego que fazem a fraqueza dos presencistas, embora eles pretendessem ser apenas fiéis ao fundo inconsciente e gratuito da sua intimidade", lemos na História da Literatura Portuguesa, de A. J. Saraiva, Óscar Lopes. 

A respeito da organização da sua poesia, pelo próprio, podemos dividi-la em três: uma poesia de juventude, respeitável, mas imatura (a publicada até 1930); a segunda, a de três livros reunidos sob a mesma capa com o título Poesia (1935-1940); e a terceira com um intervalo de uma década iniciado com Eu, Comovido a Oeste (1950). 

É Nemésio quem melhor se define no "Prefácio: Poesia": "a poesia que fundamentalmente interessa (...) passou pela prova epocal do romantismo, movimento que operou o transe de uma cultura de formas essenciais a outra de formas de existência. E como não foi só uma revolução de gosto, válida nos limites históricos, o Romantismo afectou e reviu todo o património poético ocidental, de Homero a Dante", para concluir assim: "Da minha poesia eu que sei? Aprendo com ela a apreender-me."

Abordando as duas primeiras fases do poeta, a INCM, em parceria com a Companhia das Ilhas, lançou recentemente Poesia (1916-1940), o primeiro volume da nova coleção das Obras Completas de Vitorino NemésioPor critério editorial, encontra-se dividido em duas partes: Poesia (1916-1930) e Poesia (1935-1940). Além de muitas das suas obras se encontrarem esgotadas, de já poucos o lerem (causa-efeito, também) saúda-se quem percebe que à grande poesia de livros como O Pão e a Culpa, Comovido a Oeste é importante dar-se a conhecer também aqueles poeminhas que Nemésio escreveu quando tinha 15 ou 16 anos, como os da Nave Etérea ou do Canto Matinal. Sem aparato crítico que dificulte a leitura a "não eruditos", defende bem a ideia que Nemésio foi poeta durante 60 anos e não há só Mau Tempo no Canal.  Promete-se uma noção da construção do autor Vitorino Nemésio, não o separando em caixas "Vitorino Nemésio-poeta", "Vitorino Nemésio-ficcionista", "Vitorino Nemésio-ensaísta", apresentando uma estrutura por ordem cronológica em quatro séries: Poesia, Teatro e Ficção, Crónica e Ensaio. Um volume por ano, um de cada série. Da sua poesia serão ainda editados mais três volumes - Poesia (1950-1959), Poesia (1963-1976) e Poesia Póstuma e Dispersa. Assim sim, isto é serviço público.



ATÉ SEMPRE

Perdeste a lágrima, menino?
Quem afligiu a tua bola?
Pega lá vida, faz o pino:
Sempre o contrário nos consola.

A vida é péla, rasga a vida,
Que em mim já antes papel é.
Vê como a levo de vencida
Desde que nele escrevo, até...

Sempre, menino, até sempre!
No bibe o corpo; deixa! Lava-se
E não te esqueças, chuta sempre!
(Não chegou a chorar, mas preparava-se).

31.7.59
Vitorino Nemésio, “O Verbo e a Morte”, 1959.


(Agora, lido por Manuela de Freitas 
num disco feito a "meias" com Mário Viegas, 
intitulado Poemas de Bibe:)


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