sábado, agosto 24

"O que é um poeta? O poeta não é uma excrescência ornamental."

Uma rápida busca no google sobre Paulo Leminski (Curitiba, 24 de Agosto de 1944 — 7 de Junho de 1989) dá-nos a dimensão do poeta em Portugal: zero. Na numerologia é coisa grande, aqui, não creio. A mistura de cultura popular com erudição, o delírio existencial de extravagantes associações linguísticas, o culto do absurdo e da concisão zen, o humor, a ironia, o sentido lúdico da palavra e da própria vida não tem eco (ainda) por cá. Mas o seu passeio entre 60 e 80 — o facto de não ter chegado à era da internet, no seu caso, foi limitador — talvez mereça mais atenção.

Como os poetas concretos que tinham como preferência literária os ícones dos movimentos da vanguarda europeia do início do século 20 e como referência estética os artistas ligados ao movimento concreto da Alemanha (Ulm), Leminsky começou por assimilar essa informação estética e de criação poética. O concretismo foi, para ele, uma escola teórico-prática que pregava a invenção poética (Ezra Pound), a abolição do verso (Mallarmé), a linguagem do design (caligramas de Apollinaire, poesia de e. e. cummings), a ruptura da dicotomia entre forma e conteúdo e os neologismos (palavras-valises de Joyce e Carroll). Seguiu a teoria poundiana do ABC of Reading que identifica na linguagem poética a melopéia, a fanopéia e a logopéia, ao valorizar os elementos verbivocovisuais com uma temática talvez mais prosaica e com mais humor lírico-sensorial que a matriz importada.

Leminski declarava-se sartriano e uma das suas peculiaridades foi a capacidade de percepção sensorial e de síntese intelectual que ele expressa, principalmente, nos seus poemas curtos. Os aforismos e haicais leminskianos são verdadeiras provocações mentais e sensoriais.

UM DIA

a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

in Polonaises, 1980.

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