
Espreitei com sacrifício pessoal e alguma dose de coragem o Adoro Bolos. Não posso dizer, contudo, que ninguém mo pediu. Tenho amigos, chamemos-lhes assim, que apreciam mais do que eu o pescoço (o próprio) e o sangue (dos outros).
Previamente, devo dizer que me senti preparado e errei. Já vinha daquilo do "Amar Pelo Dois", que nunca me convenceu como atitude saudável, mas ainda assim mais entendível do que o "O Jardim", da Isaura, que só muito mais tarde me inteirei da letra — "Eu já prometi/ Que um dia mudo/ Ou tento, ser maior/ Se do céu também és feliz/ Leva-me eu juro/ Sempre, pelo teu valor" — e, mais tarde ainda, que era uma homenagem à avó da compositora. Pelas intenções de um e outra, fui sempre contido nas análises.
Agora, e à terceira, via disco, o Conan Osiris: parece-me um cantor caricatura à beira da loucura e passo a citar:
"Eu vou-me amandar do Titanique, se tu não vieres";
"Quem quer saber da celulite?";
"As vezes nem o dia, nem a luz / Nem o sangue, nem o pus / nem o fogo nem a cruz querem resolver / o meu problema / E o problema é / eu adoro bolos".
Assinale-se que este foi o desafio mais difícil dos últimos três vencedores do festival da canção. Não parece — esse é o problema das camadas na literatura —, mas são todas canções de amor. E se há amor, basta lembrar Nietzsche, há loucura e, logo, um pouco de razão. Julgo que é a isso que se agarra alguma intelectualidade que acusa a outra intelectualidade, transformada rapidamente em conservadora e retrógrada, de não gostar deste novo "António Variações".
Como habitualmente, situo-me do lado dos incapacitados sem estacionamento reservado. Acho que somos vítimas de uma aventura unilateral e fomos amaldiçoados por seres queridos, os seres não queridos. Aquilo é tudo amor, não discuto, e sei perfeitamente qual a principal invocação estética presente — sim, também li que o Conan, num célebre dia ouviu "O Senhor Extraterrestre", uma brincadeira do Carlos Paião para a Amália (que venera, claro), e foi esse tema a grande mola criativa do nosso último vencedor do festival da canção. Apesar da minha posição, digamos, doutrinária, há uma grande possibilidade do Conan trazer de Israel, via Hamas, o caneco, e a RTP, para o ano, voltar a ir ao "porquinho" da contribuição para o audiovisual que coercivamente pago via electricidade, tirar mais 17 milhões para realizar o... Eurovisão 2020. Isso, oxalá que não. Mas oxalá que, como diz o meu amigo João Pedro Azul, que acaba de me vencer nesta discussão de gosto, que haja mundo onde ele possa gostar de mim e do Conan apesar de todas as nossas fragilidades. Assim sendo, os 17 milhões e o continuo desinvestimento nacional na educação, inclusive a musical, passam a ser só o que me afligem neste assunto.
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